quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A gata Micas...

    Filha, sobrinha e neta do Luas, (sim, estamos no reino da natureza onde as fronteiras…) o gato que, depois de dez anos de ascetismo (falo de humanidades, claro) pôs no mundo 17 descendentes – o Luas, para quem não  saiba (a TV felizmente não conta tudo) foi o gato que me inspirou a personagem “Cruas” no livro “A Escada” e a quem, por “serviços prestados à Literatura” condecorei com uma Ordem de Mérito Animal numa cerimónia na Escola Padre António Vieira, em Lisboa , em 1999  mas, dizia,  parente múltipla do Luas, a Micas faleceu ontem. 
 A Micas…
Nasceu frágil, a Micas, e por isso tinha dificuldade em segurar-se na teta da mãe. A Joana porém, excelente progenitora, não a enjeitou e nós alimentámos a Micas a biberon. Todavia… Sim, eu, que como vacas, coelhos, devoro cabritos estive para eutanasiar, como dizemos da morte infligida a quem gostamos ou… não comemos - a Micas. Então ela não caía muito e não era deficiente, em suma? E há lá paciência para uma gata que vem ao mundo inválida, sobretudo se o dinheiro não abunda e na casa já existem sete ou oito bichos?
A verdade é que, se a galinha se asfixia (ou asfixiava!) na cozinha, o perú se embebedava, e logo matava, os gatos… bom, eu nunca matei um gato às minhas mãos e não sei se seria capaz… Talvez num de repente, com um machado, cortando-lhe cerce o pescoço? Mas depois? A ideia de que o golpe poderia não bastar e o bicho ficasse a mexer, esperneando de sofrimento? Não! Nunca! Não quero! Como vacas e coelhos e quase todos os dias frango mas matar eu…
Eu sou hipocritamente sensível!
Assim, por esta e aquela razão – falta de tempo para o assassínio, afinal de contas! – a Micas – já então teria ganho este nome, porque nem nos esforçámos em  dar-lhe graça de gente -  baptizar quem se mata só amplia o nosso crime – a Micas, afinal, foi ficando pela casa e… viveu nove anos.
Faleceu ontem.
Sim, com a Micas, vendo-a resolver à sua maneira os seus problemas de desequilíbrio (sabiamente sempre evitou as alturas) aprendi algo que não mais esquecerei: a deficiência é apenas uma… deficiência. Claro que não sou nazi e nunca pensei em soluções finais mas um animal… Bem, em relação a um animal, confesso que estive para matar a Micas pela sua deficiência… E afinal, afinal foi tão belo tê-la nove anos cá em casa, tão doce, tão meiga, tão capaz, à sua maneira, de fazer tudo, tão nada deficiente, afinal!
Micas, perdoa!
Perdão, em meu nome e no da minha humanidade!

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