domingo, 12 de junho de 2011

O concurso das marchas populares de Lisboa



Lembro as marchas no tempo do fascismo. Eram a única manifestação lisboeta verdadeiramente popular com milhares de pessoas na rua do Ouro para vê-las passar. O desfile fazia-se muito lentamente – chegava a uma hora o intervalo entre cada marcha - e havia pessoas que, às oito da noite, já traziam bancos de casa para se sentarem no passeio da rua.

Entretanto bisbilhotava-se com o vizinho (proibida a conversa política todo o diálogo caía na coscuvilhice) diziam-se chalaças (obrigatoriamente "inocentes") trocavam-se impressões com o polícia de plantão, em regra  medonho e façanhudo - pelo menos é assim que vejo a polícia da época na minha memória de catraio - e, por fim, regressava-se a casa, madrugada muito alta, depois de uma barrigada de convívio.

Não há saudade alguma daquelas noites.

Mas que são hoje as marchas de Lisboa, senão uma manifestação de terceiro-mundismo?

Senão, veja-se como se fazem aqui e agora:

As juntas de freguesia/colectividades populares abrem inscrições para marchantes/convidam uma figuras mediáticas do vedetismo nacional para padrinhos e madrinhas do evento/chamam os ensaiadores do costume/fazem os arquinhos e os balões da regra/compõem as cantigas da norma/ensaiam os passos de dança costumeiros e, com tal receita, lá marcha tudo avenida abaixo!

Quanto aos assistentes é assim: a Câmara manda erguer dois grupos de bancadas, suficientemente separadas para não haver misturas: uma de “honra”, com cadeiras forradas a vermelho e na outra, tudo suma-a-metal -a grande massa do povo, esse vê de pé!

Este ano, por exemplo, são seiscentos e oito lugares de assento rijo e, trezentos metros adiante, mais 1000, mas com direito a modornias: assentos com almofada e a zona da avenida que lhes fica em frente profusamente iluminada, de modo que os marchantes quando lá cruzam, brilham e dançam, de facto. Os outros, o povo que não tem a sorte (pois de “sorte”, “destino” ou coisa assim deve tratar-se!) de sentar comodamente, esses milhares vêem as marchas às escuras, isto é, à luz dos candeeiros da iluminação pública.

Se isto não é terceiro-mundista, característico de uma democracia de fachada, onde uns tantos são mais tantos que os outros, não sei o que será!

Mas veja-se uma alternativa para o evento mais popular de Lisboa e que tem condições para sê-lo, também, de Portugal.



a) Cada marcha é patrocinada pelo comércio da área que representa.

Este comércio tem direito a representação no desfile, encabeçando a marcha em carros alegóricos servidos por figurantes.

Neste contexto a marcha do bairro desfila em último lugar e cumpre o papel de “vedeta”, precedida por publicitário – e rico - séquito.



b) A junta de freguesia/colectividade responsável pela apresentação do evento abre concurso para apresentação de propostas para a respectiva marcha. Estas propostas dirigem-se a profissionais:



- Coreógrafos

- Compositores

- Cenógrafos

- Figurinistas

- Encenadores

E contrata os que apresentarem as melhores ideias para a respectiva especialidade.

c) Os padrinhos e madrinhas, esses, são escolhidos entre vedetas internacionais, sejam ou não portugueses.

d) Colocam-se bancadas e projectores ao longo de toda a avenida da liberdade para se verem bem e com boa luz  os marchantes.

e) venda de bilhetes para as bancadas com direito a serpentinas.

Observação: o marchante tem direito a entradas gratuitas para o seu clã.



Resultados esperados:

- Reconhecimento de talentos artísticos/aumento da qualidade artística do evento.

- Internacionalização do “Concurso das Marchas Populares de Lisboa”.

- Fim da confrangedora realidade terceiro-mundista das marchas, tal como se efectuam hoje em dia.



... E, se o Leitor(a) não crê no que ora digo, saia à rua e veja in loco as marchas logo á noite!

De pé, claro, isto é, às escuras!



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