quinta-feira, 21 de outubro de 2010

1994






Porque corro?








Janeiro, sem dia marcado


A decadência dá-se quando já não fazemos a pretexto da comodidade, da falta de paciência ou porque é mais sensato.


A temeridade, a ousadia, o prazer do esforço caracterizam o ser na sua plena forma.






Os meus melhores escritos talvez os tenha, pouco a pouco, uma alteração aqui, outra acolá, destruído. Neptuno teria comido alguns dos filhos por tédio?






23 de Abril


Até onde podem ir os príncipes?






25 de Abril


Tento obedecer aos horários que me faço e que contemplam mil coisas. Depois, ponho-me a escrever e a entrega impede-me o mais, até de ganhar dinheiro para o papel.


Abismo entre o verbo e a declinação, entre a potência e a realidade.


O instituto onde dava aulas fecha as portas. Os fundos de Bruxelas, que o pagavam, vão já para outro lado. Entretanto criou sucessivas ninhadas de artistas. E a mim fez-me professor. Agora sem alunos.


A fatuidade do meu império de papel soa-me a alucinação, semelhante à do filme de Berlanga cujo protagonista se relaciona com uma boneca. E, no meio do meu delírio, alguém telefona para tomar café comigo. Que verão os outros em mim quando eu próprio só enxergo vácuo e sofrimento, logo transmutados em indiferença?


Existo?










Câmara de horrores no barco para o Barreiro.


Olhos repuxados, bocas tortas, braços que já foram simétricos: a massa trabalhadora da sociedade industrial depois de um dia de trabalho. Venderam em série, fizeram em série e tornaram-se máquinas, aqui e além com mossas devido ao uso.






Porque corro? Porque vou neste barco cheio de gente que se deixou apodrecer e se compraz já no seu próprio mau cheiro, fazendo disso a honra de uma vida? Para fazer uma peça? Para provocar arte? Para que meu nome se exerça? A única razão talvez ainda seja a de fugir a esta seriação que a todos ameaça e à maioria mata.


Mas é tão difícil, tão custoso ir contra a corrente que compreendo os que se lhe submetem. Só não os desejo por companhia.


No meio da multidão obediente uma adolescente, cuja t-shirt diz NÃO!










Com a idade - vou nos 43 - atribui-se maior importância a si mesmo, à comodidade, fruto em grande parte da parafrenália circundante: o ter assume mais importância e, assim, a posse da vida, o medo da morte, o seu resguardo. Tento combater isto e não me preocupar com o bem-estar, tal como me acontecia aos vinte anos, quanto era de facto disponível.


A todo o momento aceitar o nada, o perder tudo, inclusive a vida.


Só assim o desafio nos tem à sua altura.






31 de Maio


A advogada insiste em que devo lutar pela "minha" herança. Bom, se viesse algum dinheiro não comeria o mesmo prato oito dias a fio, além de que me atacam dores de cabeça que suspeito provirem de deficiência alimentar. Mas depois? Não escolhi o Nada? Todavia devo fazer o que devo e, assim, obrigar-me a mais tempo Nisto.


Enfim, gostaria de Servir. Mas como?


Que os deuses me indiquem o caminho e eu o veja.






6 de Junho


Fraco, debilitado e inconsistente. Dia sem escrita, dia em que nada crio, deixa-me nada.






8 de Junho


Na cama, à espera de prémios, depois de concorrer a não sei quantos!






9 de Junho


Joaquim conta-me uma "boa" proposta para peça: um casal homossexual, um tem sida, o outro deixa-o, o primeiro sofre a marginalização e, por fim, o amigo regressa e quer morrer com o amante. O kitch e o melodrama já não dispensam a nova peste.


Falta de paciência para a mediocridade reinante e para o império do ouro. Como os lugares são poucos e não existe uma política de qualidade, a venda das pessoas torna-se mais evidente.






12 de Junho


Por vezes vêm-me à memória frases que porém não aponto. Como um crente ter vontade de rezar e não o fazer.






20 de Junho, dois dias depois da estreia de "Textos Clássicos" no Barreiro


Em perigo.


Fala-se do aspecto "positivo" do meu trabalho artístico. Tenho de me lembrar a todo o instante que sou frágil e corruptível.






14 de Junho


Gabriel


O artista não é senhor das suas formas mas um seu possesso. Ou alguém, no perfeito juízo, preferiria pintar como Van Gogh - que não tinha qualquer desejo de provocar ou escandalizar - e ser vítima do ostracismo?


A resolução do binómio Arte/Poder reside na independência de cada um destes aspectos da vida, sob pena dos artistas que se submetem aos ditames do segundo se transformarem em funcionários-artísticos.


O que caracteriza a obra d'arte é a sua necessidade.


Beijo






Sem dia marcado em Junho


O passado é uma tinha.






2 de Julho


Há tempos atrás tinha a pretensão de dirigir os acontecimentos nesta ou naquela direcção. Agora aceito-os e procuro sobreviver-lhes, como quem, no mar, se entrega à onda mais alta para melhor a dominar. Deixo-me ir, não esbracejo, perco menos energia e, no fundo, talvez a dirija mais eficazmente. Sabedoria? Questão de uso.


Movo-me por razões que a razão quadricular desconhece e obedeço a critérios que só no meu íntimo fazem sentido. Como se uma outra ética, alheia à propriedade e sua mais-valia, subjacente em mim desde os dezoito anos, irrompesse finalmente em toda a sua limpidez; não já expressa no axioma "ser e não ter" mas inscrita "naturalmente" na ordem dos acontecimentos. Exigiu-me a entrega, a anulação da vontade individual, a submissão a algo mais forte - o meu "daimon" - colocar-me ao seu serviço.


Na exarcebação da vontade encontrei a sua demissão.






Situação idêntica à do paraquedista que não sabe se o paraquedas abre. Sou artista? Amparar-me-á a arte?










Que procuro neste diário? Extirpar o último vestígio de sentimento ou verdade que me exista, transviá-lo em literatura. Esvaziar-me, ficando apenas letras, palavras, frases, sons. Talvez por isto tenha desejado uma vida intensa e recusado a facilidade que, em adolescente, a família me propunha.


Viver literariamente.






8 de Julho


Nada. E todavia há um contentamento todo sereno que me habita e olho as coisas, as tarefas, as lutas do dia (a reunião com a direcção da colectividade onde estreei a peça para decidir da sua continuidade, etc. etc.,) como batalhas que se travam de tal modo que, não fossem elas seriam outras e o trabalho continuaria idêntico. As coisas, os embates são tão naturais como estar no mar e fazer jus às ondas. A vida é o oceano, as ondas o seu dia a dia. A grande calmaria: a morte. E até que esta chegue, fazem-se pequenas pazes, breves armistícios, cuja utilidade é repousarem o corpo para novas lutas. A guerra é a norma. E visto que assim é, inútil será uma pessoa enervar-se. Façamos, pois, a guerra serenamente. Umas batalhas ganham-se, outras perdem-se e outras ainda adiam-se pela própria natureza das coisas.










De novo este sentimento de devastação, de enorme desperdício e esbanjamento de bens: não de coisas mas de pessoas. Destruídas antes mesmo de terem a consciência do que lhes acontece. Como se, no fundo, equivalessem àquela quantidade de formigas que espezinhamos sem que tal nos preocupe. Mas elas acabam sob os nossos pés, ao passo que na sociedade humana os destroços continuam vivos.


O indivíduo mal tratado maltrata outros.


A devastação é contagiosa.






20 de Julho


Percebo, depois de um trabalho esvaziante de várias horas - e mesmo assim nem dos piores - o quotidiano da maioria: chega a casa, oca de cansaço, enfia-se na Tv e ei-la consolada!


Nenhum verdadeiro escritor escreve verdade. Mas a escrita só toca o Leitor ou Leitora se, por sua vez, o escritor se jogar verdadeiramente no que escreve. Eis a diferença entre a boa e a má literatura, entre a Arte e o que a imita.


Morrer para o mundo, renascer em fábula.






7 de Agosto


Ausência.


Encontro fugaz de corpos que, ao dia seguinte, já se distanciaram porque não houve a mútua elaboração da presença: a reificação da pessoa.






São Martinho do Porto, 8 de Agosto


(No café onde escrevi "O Coleccionador" e "Gilles")


Carta... a quem?


Depois de digerir, na amurada da praia, um bocado de pão com atum de lata, enquanto no areal duas amazonas galopam apolíneamente. Jamais serei um escritor da alta burguesia, um De Tal descrevendo os pés desnudos nos pedais do veloz descapotável. Mas que trabalheira para conseguir não sê-lo!


Parece que amanhã vai chover pelo que terei que levantar a tenda. No entretanto gozo - único ocupante da praia com kilómetro e meio - de um panorama que nenhum hotel de São Martinho possui, com o infinito por companhia e o mar em fundo sonoro.


Sem criar não me sinto. À idiotice do mundo tenho que opor outra? Assim me enleio.






S. Martinho do Porto, 9 de Agosto


Ao acordar imaginei-me senhor de uma ilha. Seria um desperdício de terra para tão escasso uso.


Em São Martinho só a natureza é agressiva. Os fascistas, que no salazarismo vinham cá para férias, protegeram-na. E proibiam os miúdos pé-descalços da terra de frequentarem a praia. O povo vingou-se chamando à sua própria baía o "bidé das marquesas".






Lisboa, 22 de Agosto


Tudo se esvai como água por entre os dedos.


Ainda de tarde trouxe uns livros da biblioteca, havia mil projectos e intuições. Agora... Agora que passei a limpo mais umas páginas deste diário sinto uma angústia de "todo o tamanho", o pavor da vida, o não saber como disfarçá-la e, em redor, tudo soa anedótico e inútil.


Talvez seja esta a diferença entre um executivo e um artista. O primeiro executa, faça ou não temporal, enquanto o outro... Mas sim, lá tornarei à passagem disto. Bom, a verdade é que por várias vezes a tentei e chega sempre uma altura em que a vida que se me espelha nas linhas, o seu dia-a-dia, me soa pobre e ridícula. Inútil? Como pois, passar uma coisa idiota? E no entanto...


Saio.






24 de Agosto


Possui-se aquilo a que nos entregamos.






Dúvida.


Há vários anos que me atirei de um avião em andamento convencido de que, antes de chegar ao chão, me nasceriam asas. Ainda não me esborrachei mas também ninguém me disse que as via nas minhas costas.






31 de Agosto


Um artista é alguém frágil e raro que, não poucas vezes, assume a dureza do diamante para sobreviver. Mas há alturas em que mais vale perecer a fim de que a obra se não destrua. A morte é, em algumas circunstâncias, a única resistência.






Não aceito a privatização dos meus problemas. É da interacção com a sociedade que eles nascem. Logo...






Sem dia marcado, em Agosto


Por vezes vêem-me frases à consciência, coisas que outrora correria a apontar. Usura do tempo, excesso de hábito de me ouvir? Um dia destes esbofeteei-me para ter mais atenção a mim mesmo.






A minha vida baseia-se no que não se vê, no que não se tem a certeza mas se conta.






Uma relação só existe quando nos compromete.






Sonho com três mulheres. Cada uma, a seu modo fazia-me a corte. A primeira emprestava-me livros, a segunda dava-me papel e a última mantinha um fogo aceso.






9 de Setembro


O "bataclan" não pára. Agora faz-se outra vez teatro a nível da actuação para aguentar estes meses até Dezembro, depois não se sabe, o escrito Tal ficou empanado num concurso que devia apresentar resultados este mês - mas só virão daqui a três ou quatro - e quanto ao espaço que requeri num teatro dizem que o requerimemto está em análise. Mas não conheço lá ninguém e a resposta será muito provavelmente um rotundo não mascarado de "lamentamos mas o calendário está preenchido". Entretanto mal tenho dinheiro "para mandar cantar um cego", expressão digna de toda uma época. Enfim, talvez seja isto a "vida artística" mas é extenuante. Também, é claro, porque teimo em não fazer nada que não goste ou me denigra perante mim próprio, pois ainda não me considero uma mercadoria, e por ai adiante. Ultimamente tenho pensado nestes termos: que a morte venha ao menos rapidamente, enquanto ainda se resiste. Mas até quando? Porém, logo a seguir penso que devo submeter-me ao que o destino (imaginá-lo ajuda a suportá-lo alem de... estatuí-lo) me reserva. E as verdadeiras tarefas ainda só agora começam. Para já, só há um par de dias aceitei, dentro de mim, o meu consumo público: vá lá, reconheçam-me, vedetizem-me, tornem-me cada vez mais um "outro" que não me importo. Se a minha missão tiver de passar por isso, que remédio?! Sim, venham os holofotes!


Outra prova, apenas.






10 de Setembro


Cansaço.


Luta e mais luta e quando se alcança um patamar ele desmorona-se. Então apetece deixar tudo, regressar à droga, etc., passar definitivamente para o outro lado.






22 de Setembro


Como andei longe da verdade! Ou seja, do estar bem comigo próprio. Do não me violentar! E o meu fundo é pacífico, passivamente activo, isto é, não agrido por desejo consciente mas só em legítima defesa. Isto a propósito da Kini que cegou porque, tão mal andei, que nem me apercebi que os seus olhos adoeciam e é ela a minha gata, a que encontrei na rua e trouxe para casa! Tal como um Édipo que, frente ao espelho, não se vê, tenho sempre perante mim os efeitos da minha leviandade, do que me foi até agora o meu maior afastamento. E pensar que a isso me levou o sexo, a paixão, a própria cegueira que o amor provoca, a mentira que nos dizemos e queremos que o nosso ser aceite, e confirme, para que o objecto amado não descaia do pedestal onde Cupido o colocou.


O preço de Júlia aumentou.






23 de Setembro


Não podemos fugir à responsabilidade dos nossos actos, sob pena de se tornarem inúteis, de terem sido experiência nula.






Até onde me levará esta segunda fase de mergulho em mim, no que sou de menos inalienável? À fustigação cada vez maior dos vendilhões do templo.






Parece que para ter êxito na vida é necessário jogar, fazer, desfazer. Apenas quero expressar-me.






1 de Outubro


"Congresso internacional de escritores"


Incapaz - além de que nem me sinto "do meio" - de participar numa tal coisa. Escrever é um acto trans-profissional, não se compadece com corporações. `Posso unir-me como contribuinte do imposto X, como lutador do direito Y, etc. Mas como escritor?


Já entenderia um Congresso de Artistas. Porque um congresso de profissionais da caneta parece-me uma congregação de jesuítas, maometanos, ou hindus. Importa celebrar o deus, não uma das suas vias. Quais as particularidades dos escritores que não possuam os pintores, os cantores, etc.?






Preciso de esquecer que sei.






9 de Outubro


Ainda não falei aqui - talvez porque tanta vez escrevi neste diário acerca do mal estar que sinto ao actuar - que aceitei um papel numa peça a estrear em Dezembro. Que se passou, pois? Muito concretamente estava sem trabalho. Depois a peça é interessante e gosto da personagem: um missionário cristão sacrificado pelos que pretende evangelizar. Mas há outro motivo e tem a ver com a minha amiga e discípula Susana: ao vê-la actuar, percebi que a actuação pode estar ao nível da exigência que me faço na escrita. Trabalhar em teatro assume-me, pois, um novo carácter e é com a mesma entrega com que escrevo que já o faço. "Sem ti seria um outro" - escrevi a Susana, agradecendo-lhe a boa influência. Ou seja, finalmente encaro actuar como um fim em si mesmo.


Talvez porque, lá atrás, me inscrevi num curso de actuação para fugir ao problema da droga, tenha afinal subestimado o palco. Agora, enquanto preparo a personagem, passo este diário a limpo.






4 de Outubro


A luta por ser o mais transparente possível tem custado fome, incomodidade e, talvez, anos de vida. Mas faria tudo pelo dobro se, de novo, necessário. Pelo menos, ainda sou credível num papel de Cristo depois dos quarenta anos!


Serena alegria.






13 de Outubro


Passei por um letreiro que dizia "Vendem-se pernas de frango".


Quando qualquer pessoa que se considera "decente" sentir o pasmo e o horror que experimentei ao ler aquilo, a humanidade e o mundo terão melhorado consideravelmente.






Hoje a tristeza é rainha. Sem perspectivas, sem dinheiro (para, pelo menos, ir ao mercado comprar uma alegria) sem mesmo saber o que me falta. Mas a carência é grande, senão irreparável.


Que resta à formiga que se esforça no caminho do Everest senão a grandeza do seu desígnio?


No trabalho que faço neste regresso à actuação a personagem tira-me de mim e, quando entro em palco, perante a vergonha de me mostrar, o pensamento vem-me que não sou eu quem lá vai mas o missionário Francisco, apóstolo num mundo sem crença.


Hoje não consigo mexer-me, de tal modo a realidade me contunde, e só alcanço manuseá-la, e a mim dentro dela, ou sendo outro, ou tornando-me escrita. O resto fere como aço em brasa.










Tristeza e derrube que chegam para um exército inteiro. As cores são as cores, as coisas as coisas e o resto...


Se lá atrás morrera de over-dose levaria do mundo uma imagem mais feliz? Não o teria, simplesmente, conhecido. A mim evitaria muita mossa e, a ele, esta resposta.






Incapaz do menor esforço, vomito de nojo por tudo.






Madrugada, 19 de Outubro


Desde há alguns dias que decidi conquistar o poder. Ou seja, impor-me aos outros, obrigá-los a reconhecerem-me e utilizando nisso os critérios que eles mesmos usam para o efeito. Sem isso não levarei a cabo as tarefas sociais que me impus. Logo, poder!






Hoje almocei como "se" almoça: peixe assado, batatas assadas, gelado, café, charuto a condizer. Quem seria se comesse assim todos os dias?






Sem dia nem mês


No barbeiro revistas com reportagens sobre os poderosos. A pequenez que a necessidade gera! Os ricos são belos, grandes e andam bem tratados! Os outros, a imensa maioria, esgana-se para alcançar riqueza. Este mundo não se sustenta nem tem justificação. Verdade se diga que também não necessita: é absurdo. O que não implica, claro, que não se dê um sentido à existência.






Tudo é movimento. Ora para fora, ora para dentro. Explosão e implosão. A consciência: um momento no processo e o pensamento uma ordenação de matéria. A liberdade uma utopia. Ou apenas um estar cada vez mais consciente das inúmeras prisões a que nos sujeitamos: neste sentido o conhecimento liberta, consciencializa. A realidade é o que é. Incognoscível. Porém, ela e o meu cérebro devem ser feitos da mesma substancia, logo ela assemelha-se-me nas suas leis: pelo menos a realidade onde o humano sobrevive. Deus é o nome colectivo do ser individual. O homem, para o seu perfeito funcionamento, precisa de regras. A sociedade humana vive de tabus. Sem eles entra em decadência. Os novos tabus terão a ver com a obrigatoriedade de preservar a vida, a natureza, o equilíbrio ecológico.






O infante Henrique associaria ao prazer da chegada de uma nau o do reencontro de um amante?






Novembro, 12


Conquistar o Poder, elevar-me acima dos demais e que me reconheçam vassalagem… Tal disposição de espírito não me tem feito mais feliz.






15 de Novembro


Um atraso de dois dias no pagamento do meu mísero cachet de actor provoca-me um tal distúrbio nas parcas contas que à custa consigo o tanto necessário ao café e um bolo, meus actuais luxos. E, mesmo assim, peço-os adiantados a quem praticamente também não tem mais que o indispensável, pois não conheço ricos nem me esforço a fabricar contactos para que deles me sirva. Preferível morrer a lamber botas.






Para não deixar de escrever algo quando faço anos, cá vai: ainda haverá tempo? Tendo servido muito pouco, oxalá o tempo - agora que a vontade e o desejo se me treinaram - não seja o empecilho.






Interpreto um Cristo. Oportunidade única.






Passei a usar um anel - ou aliança? - para me lembrar do comprometimento que assumi para comigo.






Sem dia nem mês


Nunca como há três ou quatro semanas a esta parte me interessei tanto por conquistar o poder no breve prazo, pois percebi que sem ele não conseguirei pôr em prática o que desejo: influenciar a opinião pública com vista a consciencializá-la do rumo que as coisas levam (monetarização e auto-destruição) e criar uns tantos organismos de ajuda aos mais necessitados. Será isto verdade? Ou, cansado desta vida anónima e sem glória, anseio por uma que seja bem deste mundo?


Sempre pensei o poder como uma hipótese póstuma, fórmula que - tinha a certeza - não me causaria dissabor. Mas cria-se em torno da minha actuação no Trindade um consenso de qualidade que, ainda que a custo, resigno-me a aceitar. Depois, por entre muros e desconhecidos, o meu último escrito vai abrindo barreiras. E hoje X, a quem, como sempre, à pergunta "Que fazes?" respondi "Nada de especial" ficou de boca aberta perante a quantidade das minhas páginas escritas. Mas não é sem mágoa que desvendo o mundo onde até ao momento tenho vivido e que, sobretudo, me tem pertencido.


O meu bater com a porta no Partido Tal, justificado pela apatia no acolhimento aos novos militantes, serviu para alguma coisa: neste momento o dito reformula a recepção aos novos sócios e pede-me que repense a decisão de abandoná-lo.






Noite de Natal


Como estás?


Até onde já foste na contaminação humana. É certo que nasceste com o "homini virus" e, logo, potencialmente falho...


Cada vez mais incapaz de não me seguir a voz interior e, no entanto, tantas vezes a não ouço. Mas melhoro. Reconcilio-me. Estou mais atento. E transporto uma anilha no dedo para lembrar o dever de atenção para comigo. A minha única aliança. A atenção a si implica a escuta do Outro. No entanto a miséria no mundo aumenta. A queda do império soviético trouxe mais pobreza. O mundo parece mais desordenado porque se globalizou e a noção de mal-estar nunca foi tão partilhada. O problema da mudança - verdade de M. de La Palisse - reside na escola. No quarteirão. No aproveitamento do espaço livre para a criação de árvores de fruto. Para que haja um mínimo garantido aos que não querem ser ricos. Deverá ser livre ser vagabundo. Isto é: deverá deixar de custar saúde e vida. O alojamento, a "caverna" tem de fazer parte dos direitos do homem. Assim como o direito à saúde. As grandes riquezas deverão ser altamente taxadas. O prestígio deve andar ligado ao bem que uma pessoa faz à colectividade e não à fama que obtém. Os professores devem ser prestigiados e, a partir de certo nível, usufruírem do essencial dado pela colectividade. O dinheiro não será o único meio de pagamento. A gratidão poderá ser moeda de troca. O pedagogo será o grau máximo no ensino.


Dar, o gesto mais importante.


Os políticos não necessitam de grandes carros nem grandes banquetes. Retirem-se-lhes as modornias. Servir é uma actividade que, só por si, se paga.


O cristianismo terá de adaptar-se à nova sociedade: liberdade de contracepção, liberdade de escolha sexual, papisa. As grandes religiões devem trabalhar no sentido da sua fusão. O objectivo é Deus e não o partido religioso.


A Arte.


Cada construção acima de determinado preço contratará um artista para decorá-la.


Na escola a filosofia, a matemática - que permite a leitura do mundo - o conhecimento dos grandes autores, os direitos civis, a expressão artística serão as cadeiras básicas. Assim como a língua natal e outra comum à espécie.


Do currículo escolar constará a estadia noutras culturas.


A bisexualidade reunirá os seres.


Estudar-se-á a melhoria da espécie e os que puderem gerar seres doentes e ainda sem cura, contentar-se-ão em adoptar.


O homem é feito à semelhança do cosmos: inspira e expira, contrai e expande-se.


O espaço tornou-se omnipresente. Todas as distâncias se igualam e o espaço reduz-se a um ponto: visão panorâmica. Tudo á mesma distância, logo, tudo ao mesmo tempo.


O tempo contraído é mais intenso. Quando não há espaço não há igualmente tempo. Se um dia tudo parar o espaço deixará de fazer sentido.


O universo é eterno.


Poderemos fabricarmo-nos de tal modo que possamos respirar em locais actualmente irrespiráveis. Uma mudança que permita mais adaptação é bem-vinda. Nesta medida a bio-genética deve ser permitida. Com os riscos inerentes. A evolução da espécie depende do que ela faça com o pensamento. Que visão a servirá? A ideal avançar-nos-á para a escala seguinte à dos mamíferos: a dos espíritos.






Decidido a nova experiência partidária - até porque continuo a querer ser útil e a não saber como fazê-lo - inscrevi-me no partido Y que afirma querer modernizar a esquerda. A ver!





























































































































































































































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