sábado, 16 de outubro de 2010

2000











Não vencem os mais capazes…














2 de Janeiro

A roldana puxa com mais força e o quotidiano torna-se branco e indiferente.

Há tantos dias que os dias se somam a dias sem que as parcelas se dividam.







Outrora vivia artisticamente ou a minha vida era um acto artístico. Agora... fabrico objectos artísticos.







18 de Fevereiro

Nenhuma razão fatal pela qual faça as coisas. Todavia mexo. Inércia.









Isto não dá gozo e vivo por dever. E, é claro, porque o instinto supera a "racionalidade".



3 de Março

Não vencem os melhores ou os mais inteligentes mas os mais capazes.



21 de Setembro

Momentos de ausência neste diário. Mais frequentes nos últimos tempos porque a minha integração social tem sido maior - mesmo assim só há quinze anos pago IRS.

Perda nos acontecimentos, no rame-rame, no sorvedouro ou aspirador, para ser mais significativo.







8 de Março

A vida tornou-se-me num foguetão sem destino enquanto os outros amontoam projectos, prendas e sorrisos. Apenas a velocidade, a atracção pelo fim que a tudo esmagará. No entretanto a indiferença.







Sem dia nem mês marcados

Escrever o que não se sabe como quem deixa cair borrões de tinta num quadro. Até que surja a ideia. Ou nem ela e, afinal, o nada, numa sem importância de que o acontecimento nem suceda, quando se sabe que a história é contínua e, mesmo nos intervalos, se alinha. A vontade, a poderosa arma sob a qual tudo soçobra não aparece ao encontro e, à desfilada, o cavalo parte, correndo o perigo de morrer pelo caminho, ou mesmo chegar a destino algum.

Combate-se.

Nas linhas da frente atira-se ao ar a moeda e pesa-se a vida do herói: quem vai?

No caos a lei impõe-se e o homem domina.







(A quem?)

O teu universo é de brinquedo, o meu de guilhotina.







O que era, foi-se. O que foi, desfez-se. Juntaram-se as cartas, deram-se os cartões, a carteira encheu-se com notas de nada. Fogos fátuos. No rescaldo da corrida, perderam-se os objectivos. Existe-se. E, na pista, as pistolas fazem um barulho tremendo lembrando as partidas. Eu fui, tu és, ele, nós...





Amontoam-se dias como quem compra sabonetes. E todos se derretem com o uso. Fica o cheiro e depois... nem isso.





Nada importa mas neste desimportamento preencho os dias. Sempre ocupado.







Viu-se o relâmpago que instaurou o mundo e os olhos fartaram-se de luz. Agora querem o escuro. Anseiam Nada.





E todavia não. Todavia não devo demitir-me, não posso fazê-lo. A minha voz é necessária. Ainda. (Mistura de amor próprio e muita toleima)







Passado que foi, imagino que, na última sessão do julgamento da herança paterna, depois de quinze anos de sessões e múltiplos adiamentos – tantos que, santa justiça!, deram para que o meu tio e única testemunha válida, morresse de velhice – imaginei, dizia, levantar-me do banco dos réus – pois que me acusavam de prejudicar uma madrasta – e contar finalmente a minha história. Não sei se verdadeira ou não, mas que importa, se tudo se passava num tribunal e havia – como fez a parte contrária cantando na voz lamuriosa do seu advogado as mil desgraças de um rosário humano – sobretudo que impressionar a justiça? Então, de voz embargada pela comoção e lenço branco na mão, para limpar uma ou outra lágrima mais evidente, diria:

- Senhor Doutor Juíz, meritíssimo tribunal (ou outra fórmula que significasse o mesmo), devo em nome da justiça levantar-me e contar a minha história! Eu não sou quem me julga, esse que delapidou a memória paterna e dela fez um trapo de limpar latrinas! Eu nunca! (Aqui bateria a mão no peito) Eis então a verdade! Essa mulher que ai está – apontaria a causa dos meus males, a minha acusadora – foi a segunda de meu pai mas não o seu grande amor! A conveniência tem as suas razões mas raro se acompanha de boa-vontade. Meu pai, que ao casá-la já me tinha, amou a minha mãe a mais que nenhuma outra, e dela no coração nunca se separou! Senhor Juiz – e a voz elevar-se-ia embora presa pela emoção – é bem verdade que sou filho do Amor! Sim, Afrodite foi a minha madrinha e Eros quem me designou! - Nesta altura, a assistência faria um oh compassado, o juiz exigiria silêncio e eu, limpo o suor na testa, prosseguiria: - Sim, a minha mãe e o meu pai, esses que nos céus e livres da materialidade terrena finalmente se reuniram – amaram-se tanto como Romeu e Julieta, ou mesmo mais, pois que não foram personagens de papel se bem que dignos da maior pena. Pois há maior infortúnio do que fingir de quem não somos, levando ao altar a que não desejamos? Não, meritíssimo Juiz, eu estou aqui mas o amor me inocenta! E que sucedeu depois? Nascido de um amor clandestino – a minha progenitora era casada, não de facto mas de jure (importante no tribunal mostrar que também se entende de leis) com Fulano que lá muito atrás se perdera na emigração – como poderia meu pai, em tais condições, fazer frente à pressão familiar que lhe censurava a associação com uma mulher, na verdade livre, mas oficialmente casada? Não, o meu pai não é culpado por me ter deixado e partido a esquecer-me nas selvas de África! Ele queria-me senhor Juiz, ele amava-me como só um pai sabe querer ao seu primeiro filho (cliché, claro!, mas as defesas têm destas coisas!) sim, que poderia ele fazer senão obedecer à sua linhagem que lhe exigia a vida e a missão? E eu fiquei assim nos braços de minha mãe! (Pausa para olhar nos olhos a assistência, fazendo-a sentir a culpa pelo infeliz que hoje sou, em busca do sol perdido!) Mas que sucedeu depois? Meu pai não lembraria nunca o filho que deixara nos braços de sua mãe? (“nos braços de sua mãe” – oh!) A traíção, o despudor, a ingratidão, mesmo, levá-lo-ia a esquecer-me? Céus, como pode a natureza humana ser tão pérfida que nem aos inocentes perdoa o que nunca fizeram? Pois que – e outra expressões adiantaria igualmente úteis à causa – fatalidade ou áspide se enrolaria ao pescoço, ao peito de meu pai, para que ele me repugnasse e comigo à natureza? Só uma razão, senhores, só uma razão, Meritíssimo, e ela está aqui presente perante os vossos olhos, sentada neste tribunal e no lugar de vítima: ei-la, senhores, ali, soberba e impávida, a minha madrasta! - Nesta altura todo o tribunal se ergueria da cadeira para olhar a mulher que, enfiada na sua, levara a causa a tribunal, que quinze anos atrás me acusara de lhe tirar bens que me pai lhe teria deixado e, muito mais tempo antes, fora causa do meu abandono. - Sim, Insigne Juíz, foi ela, aquela mulher de toucado na cabeça e ar compungido que proibiu meu pai de me ver, de trazer mesmo na sua carteira a doce foto do filho amado! – Nesta ocasião, em que creio já todo o tribunal carpiria, de voz ainda mais embargada, eu prosseguiria: - Mas aqui estou! Apesar dos seus desejos, mau grado as suas maquinações de Medeia mal sofrida, eu… Eu o quê? Que interessa isto? Nas histórias de inventar é que as madrastas são más e sofrem castigos!







20 de Abril

Notícia no jornal de que Fulano, galardoado com o Prémio APE pela mesma altura que eu, obteve nova distinção. Eu, que desde que obtive o meu deixei de concorrer ao que quer que seja, reflicto. Devo voltar às corridas? Certo é que, se o não fizer, perderei esta pálida notoriedade e, depois do fracasso comercial d' "A Escada" (o editor já me anunciou que o futuro manuscrito "será submetido aos trâmites normais da apreciação") arrisco o "regresso" ao anonimato. Mas puxar constantemente o sino para afirmar que existo?









21 de Abril

Quando contamos uma história a escrita foge e leva-se tempo a agarrar a linguagem para que esta a conte. A história está "lá" e só espera as palavras adequadas mas um vocábulo diz isto... outro aquilo... e, juntos... já significam aqueloutro! Como narrar com material tão deslizante? Depois, acabada a obra, lemo-la e... que encontramos? Mil e umas histórias a partir da nossa! Esta foi só pretexto







Leio Tal e acho o livro extraordinário. Não sei se faria igual. No entanto não acho difícil consegui-lo. A escrita não está no papel, reside na vida e foi desta que me afastei, foi o mar que se me apartou e onde há tempos era o húmus, surgiu o deserto, o formalismo, as palmeiras de papel, os símbolos da escrita “fast-food”.

Olho em torno e vejo longínquo.

Bruma.









O mundo é feito de matéria sólida e compacta. Ir de um lado a outro exige força e devastação. Ou dito doutra forma: o mundo faz-se de nada e atravessá-lo é sujeitar-se a perder-se. Por isso apetece o mesmo sítio, não contundir, guardar a consistência inicial, o "quid" fundador, o princípio. Mover é morrer. E a morte resume-se a vida. A paragem é o ponto iniciático, a linha a iniciativa. Dou comigo em posição de feto, dormindo, dormindo... Não existir. Mas morte não há e o vazio é tudo. Um corpo e outro corpo: a ilusão do cais, do porto seguro. O orgasmo derrui o muro. Depois... o dia-a-dia reergue-o









22 de Abril

Medo.

Horror pânico de ser, do ir além deste aquém. Não fazer, ou mesmo imaginar. O pensamento afasta e abisma, estranha-se e intimida-me. Sou o meu rival, o adversário com quem luto ou ao qual, no limite, me submeto, indo como corpo que a vaga transporta, incha, e já todo de fora se afirma. Forma: o mundo que me penetra e orgasma, comigo entregue e passivo ao deus que me engravida. A luz em mim é o fatalismo que a autonomiza.









28 de Abril

Desconfortável como se a atmosfera que me rodeia e dá vida, me instilasse também o medo e a paralisia.

Impotência.

Ou nem ela mas assustadora antevisão do gelado da acção, das atitudes boiando náufragas no mar da inanidade. Falta a Mãe, a Grande Musa fonte de sentido e futuro. Sós no universo, abandonados numa constelação à deriva, encandeia-nos a luz vazia, a escuridão sem espessura. Deus calou-se, o corpo não o diz, e o orgasmo reduziu-se a umas tantas sensações reproduzíveis em laboratório.

Humano para quê?









13 de Maio

A solidão - outrora apenas um factor - torna-se no elemento, a planície sobre que corro. Encontros, reuniões aqui, além, mas as coisas não pegam, não solidificam e, porventura, perdeu-se o hábito da entrega, do risco, da conversa.

Só.

Tento convencer-me do benefício deste estado e, da janela, olho na rua outros que, acima e abaixo, seguem sós como eu. É a norma, o pão diário que o diabo cozeu. A mesma solidão nos milhares de figurantes reunidos para o filme de L.R. sobre o III Reich: lado a lado muitos e... um apenas. Iguais, produzidos em massa, fabrico industrial.









14 de Maio

Programa sobre X na Tv e logo desejo ser igualmente celébre. Habituei-me às celebrações e a vida anónima já desagrada? De novo acalmo e integro a recusa das "passarelles": não é a via.









25 de Maio

Nenhuma pressa em voltar a editar. Tudo o resto posso vender mas a escrita quero-a alheia ao mercado e, se possível, até a mim mesmo.







O suor perde valor no mundo que se mecaniza e a miséria já se confunde com a ignorância.









6 de Julho

Habituei-me a que os meus personagens recebam cartas e telefonemas, isto é, que, inventando um Francisco ou uma Noémia, haja na caixa do correio, ou ao telefone, apelos a esses nomes. Mas nenhuma personagem me tinha anda vindo ao encontro.

Em casa, imagino Luis, adolescente africano, vítima da guerra colonial. Interrompo a escrita e vou ao Terreiro do Paço, onde gosto de me sentar e reflectir, como se a grandeza da praça me alargasse o pensamento. Aproxima-se um jovem negro. Na certeza que o nosso encontro não é um acaso, interrogo-o.

- Porque coxeias?

- Fui ferido em Angola por um tiro.

Tal como o meu personagem também é prostituto.









Quanto mais obedeço ao sonho mais ele me comanda e sou harmonia.









19 de Julho

Quando se faz o que se gosta as férias são um empecilho a que nos entregamos apenas pela ameaça do estoiro.









Servir... servir.... servir... e ir logo embora.









23 de Julho

Consagrei metade da vida à prática, a outra metade ao estudo.









26 de Agosto

Não se mantém uma relação apenas porque foi importante. O passado rega-se a cada instante.









6 de Setembro

Ensinar os que nem desejam instrução. Em nome de quê? No da defesa pessoal, pois a ignorância semeia violência.









22 de Setembro

Com tudo recolhido, e finalmente só, entregue à escrita.









28 de Setembro

Ontem recebeu-se a carta da escola a dizer que fomos aceites (sexto ano consecutivo) como professor. Mas cada vez há menos aulas...









Sem dia marcado, em Setembro

Momentos em que tudo rompe e as vitórias soam a contos de fadas em que nem o próprio acredita.









Panne: ouço e não ajo.









Carta a Raul que me pediu que o ajudasse a desintoxicar-se

Afinal não apareceste ao encontro que te levaria ao outro lado de ti, depois dos anos em que só tens ganho para a heroína. Parto, assim, só, e confesso que possuído de sentimentos ambíguos: ao mesmo tempo que lamento a tua ausência nestas minhas férias, também é verdade que lá atrás a droga me exigiu tanto de resgate que a sua companhia, mesmo como observador, já me desgostaria. Mas, enfim, dispunha-me a proporcionar-te uma cura no campo, com vacas a sério e flores autênticas, para que, do sapo que és, surgisse o príncipe que prometes.







11 de Outubro

A Mimi já lá não está. A Mimi foi para outro lado. A Mimi que eu mimava. Pêlo branco, pernas altas, muito elegante, bigodes sibilinos a condizerem com o olhar arguto: à Mimi não levava qualquer.

A Mimi já lá não está.

"Vi-a à porta do restaurante" - disse alguém.

A Mimi não frequentava qualquer: ela vivia na rua chique da cidade, sabia o que valia, a vaidade de que era capaz. A Mimi foi uma vez.

Mimi?

Que novo nome a mimará?

Ou o restaurante serviu ontem nova receita de "coelho"?







30 de Outubro

Perdido no espaço, nos objectos, nos nomes, incógnito de mim mesmo, sou um braçado de sensações avulsas, uma mágoa alojada algures, em vias de crescimento. Alguém dá pelo meu nome mas não sei quem, o porquê ou como. Inércia, desejo de coisa alguma... A chuva, lá fora, cai. Eu, resto.









Sem dia marcado, em Outubro

Escrevo para melhorar.







Não apetece dizer do estar na cama a ouvir o relógio bater as badaladas do tempo que nos abusa.

Sei lá!

Outrora, neste diário, escrevia o momento, a sua existência. Agora a escrita autonomiza-se, quer ser ela, apenas, e, alheia e indiferente, dizer de si própria. Como carro eléctrico que cruza o carril, vazio e lento, apenas para seu usufruto: dentro o nada e nem mesmo o condutor. Eléctrico, simplesmente. E eu, do exílio, aceno-lhe. E assisto ao que é dito.

Quem fala talvez se chame literatura.







Problema de precursor:

Quando eu o fazia ninguém ligava porque ainda não se fazia. E quando se passou a fazer já eu, farto de fazê-lo, fazia outra coisa, a qual, por sua vez, por ninguém fazer…







Dias em que a ferida não ganha crostra e é fogo e sal lá onde mais dói: na diferença.







Os dias lineares, com princípio, tarde e fim, num momento indistinto do seu saber foram outros e à noite não sucedeu a luz, nem a esta o escurecer. O brusco, a sorte, o prodígio, senão a loucura, aliada à fortuna, tomaram nas mãos o tempo e venderam-no por prostíbulos, a quem mais oferecesse, uma hora aqui, dois minutos além, três tardes ao depois.

Na cidade, outrora ordeira, o crime sepultou o fim natural das coisas e todos saem agora à rua envoltos em trajes de gigantones. Ninguém se atreve, e o ser indefine-se nos intervalos, até há pouco preenchidos pelos ponteiros dos relógios, já encavalitados no espaço. As visitas fazem-se sem sair de casa e os cartões de agradecimento enviam-se por hábito.

Medo.

Pavor.

Comparativos de superioridade disfarçados de iguais tentam a sorte nas filas das palavras, seduzindo sintagmas e convidando à corrupção. Mas não há provas que o pagamento compense e, nos tribunais, a balança inclina-se para a linha do horizonte nivelando o insuportável.

Assim os dias, assim os ares e, nas ruas, vazam-se porfiadamente os olhos que, filhos de Édipo perdido por Jocasta, por todo o lado renascem. Os ruídos abatem-se, os martelos elevam-se, à janela uma tia observa o cortejo das intrigas mais a fanfarra dos enredos. O coro ficou em casa, o povo desapareceu no buraco do vento e o tempo criou-se abismo.

Tudo morto.

Todos menos eu, o sobrevivente.

No nada que me oculta, a minha história.







8 de Novembro

Horas em que o sentimento excede a capacidade. Tempo em que o Outro falta no corpo ausente.









Oração da fé:

Meu Deus, deves ter-me feito por alguma razão! Que seja!







Dias que doem de tanta intensidade como um sol que no bolso se derrama pelo forro, queima as carnes, já corroídas por vermes, como espelhos do abismo, perdidos sem saber onde ou porquê, só o ardor, a cor, a força das coisas a exigir mais além, mais fora do Resto que separa do aqui e sempre, do êxtase.

Morro de incomunicabilidade e comigo fenece a atenção à menor prega do veludo que enruga a Terra, este céu murcho pela vergonha das estrelas, sempre a olharem e a dizerem. Enquanto eu...

Dói de tanta negrura ou de ser apenas isto que se transmuta quando menos o queremos.

Na morte que se não dá conta, e mata à punhada pela noite, sós, na estrada, à procura, à procura...









24 de Novembro

Que interessa se este diário corresponde a uma vivência desde que convença?









Escreve-se para ser lido.







6 de Dezembro

Desejo avassalador de morrer.

Acho isto feio e não consigo, nem nos momentos mais felizes, esquecer o desaire dos muitos que mal têm acesso aos restos. Só o trabalho que não concluí impede o desejo franco da morte. Quando ambos os momentos coincidirem, o fim da missão e a morte, serei finalmente feliz.







14 de Dezembro

Resta prosseguir e radicalizar o movimento. Breves saídas - para permitirem o regresso - e nenhuma questão acerca da validade da obra. Neste momento já não se pode perder tempo nem mesmo com a dúvida metódica.

Somo-la.









16 de Dezembro

A impressão de que, a cada vez que penso algo, o relógio da sala bate as horas.

Penso nas horas certas?









20 de Dezembro

O desespero serve-se gelado. Se possível antes do suicídio.







31 de Dezembro

Pois que a idade ou a inércia já torna tão difícil a obediência à luz interna, resta sê-la.









Só. Terrivelmente só. O não par.









Sem dia nem mês marcados

Há gente que gosta de viver. Eu sempre achei a consciência uma chatisse com raros momentos de fulgor. E agora que o tempo deixa as suas marcas e as ilusões juvenis já não encandeiam o olhar, o confronto com o real torna-se um desafio: ou o transformamos, ou nos destrói. Faço, cumpro, etc. mas não escondo o frete. Procuro, é claro, contrapor algo a isto e perceber mesmo porque sucede. Mas viver sem paixão é intolerável.







A única forma de não ficar obrigado aos outros é comprá-los. Mas porque não a gratidão?







E isto que sou, sou-o a sério?

Necessidade de comprovação, autenticidade, tanto mais quanto as coisas se tornam virtuais, mais longínquas e etéreas.

A neve que cai na Serra da Estrela lembra a dos postais ilustrados…









Sei lá se fico ou se vou neste frémito de ter nascido quem des-sou a cada movimento que fabrico.







O futuro apanha-nos e o passado refaz-se a cada instante.







Raul, o tal que falhou o meu convite para que se desintoxicasse no campo, durante as minhas férias, quer agora fazê-lo no meu apartamento. Cederei? De qualquer modo queria conhecer um arrumador de automóveis, perceber que tipo de pessoa pode andar tão decadente e gastar, ao mesmo tempo, uma dezena de contos diários em droga. Ou seja, a minha curiosidade ficou satisfeita: são verdadeiramente viciados. A minha juvenil toxicomania teve outra dimensão ou... vejo-a agora diferente?







Breve cartão ao partido Y: “saio sem comentários”.



Uma vida programa-se mas não se retoca.







Ah o tempo que em que cinco minutos antes decidia o que fazia cinco minutos depois!

































































Nenhum comentário: