sábado, 16 de outubro de 2010

1998















Eu ou… o Interfuron?


















Paris, 1 de Janeiro


Viveu-se o mais inconscientemente que as circunstâncias no-lo permitiram.














Paris, 4 de Janeiro


Quase mês e meio de caos.














Lisboa, 17 de Janeiro


Não engordar, não crescer em objectos e complicações.














25 de Janeiro


Graças ao prémio literário, assinei contrato com uma editora. Sensação de coisa embalada, apta a ser consumida. Desagradável. Tinha razão quando não me atraía a edição. Mas “ele” queria ser "escritor"...














Levei um fim de semana a fazer o vazio no quarto e muitos mais dias a procurar o silêncio em mim. Desliguei telefones, não fui às aulas... E hoje de novo pulso.


Há quanto tempo longe!














28 de Janeiro


Comprei, lá atrás, uma casa que não desejava, disputo uma herança que me repugna. As coisas envolvem-nos por mera questão de duração. Criamo-las como o ferro a ferrugem.














29 de Janeiro


Gratidão.














Paris, sem dia marcado, Janeiro


Abandonar a relação estragada antes que nos contamine e fiquemos também pôdres.














Afonso,


Ter-te-ia falado pessoalmente mas a tua cada vez maior irascibilidade, porventura devida ao alcool, não o permitiu.


Decais. Donde vem o problema? Da fuga à realidade. Originário da classe operária queres entrar no mundo burguês mas não te dispões a pagar o devido preço. E achas "reaccionário" um professor acusar o aluno de copiar. Mas ele apenas vela por que ninguém entre fraudulentamente na sua classe. O mesmo sucede quando nos iniciamos num grupo: é-se submetido a provas. Depois, enganar-se-á, ou não o clã mas a iniciação é sempre verdadeira e, nela, o neófito não pode fingir.


As coisas mudaram.


O capitalismo por ora ganhou. Mas devemos limar-lhe as garras porque se o mercado for a única força motriz, a Terra e a espécie humana perecerão.


Abandona a cobardia que te impede de medir com o Outro. Sem "copianços" nem desvios. Naturalmente, enquanto não chamares as coisas pelo verdadeiro nome não as confrontarás; acertas ao lado, lá onde elas não estão.


Ver as coisas como são é o primeiro ponto.


Tens imaginação, gostas de pintar? Pinta! Ajudar-te-á. Mas nenhum pintor terá alguma vez escolhido a pintura para ganhar dinheiro. Em arte, o verbo aproveitar não existe mas, sim, o de trabalhar infinitamente até que pintar, esculpir ou cantar, produzam pintores, escultores, etc. No domínio da arte, tal como no da religião, a fraude é impensável: o milagre dá-se, ou não. Mas nunca se falsifica.


O êxito consiste em realizarmos as nossas faculdades, sejam elas a limpeza de retretes ou a construção de "stradivarius".


Beijo.














Atingiu-se um patamar de insensibilidade. Não há, pois, razão para bater as palmas ou arrumar a cana de pesca, como quem já não precisa dela, porque o peixe logo acorre. A verdade é que, a continuar assim, o que surge é a facilidade, o já pronto, e não o singular, o único, a faúlha que tudo ilumina. E tanto maior a tentação pelo não esforço, quanto a razão, de cansada, se lassa, tendendo a achar que "já basta!".


Melhor é supor que nada sucedeu, que não se obteve editora, isto ou aquilo e levantar, como sempre, de manhã para o combate.














Caos.


Caos absolutamente.


Mesmo a escrita desta folha - entre as vascas da borrasca - faz-se no entretanto do tinir do telefone, do não saber onde a caneta, o eu, as coisas. E dói o estômago, cai a pestana, tamborila o dedo, zaratuta o mundo...














3 de Fevereiro


As coisas levadas ao seu máximo desenvolvimento revelam-se outras. E o mundo move-se.














16 de Fevereiro


Apesar de me ter mentalizado de que a gigantesca lesma que sábado à noite, atravessava placidamente o chão da cozinha - vinda talvez num legume - era um meu antepassado e não devia, pois, assassiná-la, acabei por atirá-la, depois de, com todo o cuidado, a deslizar para uma folha de jornal, pela janela do saguão. E só percebi o que fazia quando lhe ouvi o embate cinco andares abaixo.


O que impressiona neste crime é o facto da minha mão ter agido independentemente das precauções que lhe recomendei. Ultrapassado pela educação humanista.


















17 de Fevereiro


Dias que se esfumam.


Tudo se anuncia e afinal...


Amanhã... talvez depois... um dia...


O renascimento da bruma.














Ser tomado pela resolução de problemas alheios, viver nos outros e para eles: apenas recomendável para quem tem um mínimo de formação e certeza, senão esses “tais”, os necessitados de ajuda e “frágeis”… devoram-nos.


















Desligar tudo. Excepto a escrita. Que significa atenção à vida. Ou seja, ligar tudo.


















É mais eficaz sentirmo-nos espírito que apenas corpo. Este vemos desaparecer, ao passo que o espírito...


O humano deve adoptar uma teoria que o faça viver mais tempo porque a humanidade precisa de envelhecer para saber.


















Na prostituição a sexualidade faz-se à custa do afectivo que, perdendo o papel dirigente do sim/não, passa a servir uma mais-valia que lhe pode ser inimiga. A vontade, essa, ao serviço da obediência, exacerba-se, transformando-se na directora do indivíduo, a partir daí frio e calculista, tão frio quanto um "deus" que tudo rege e nada sente. A vingança do afectivo traduzir-se-á na morte do cliente, o seu assassínio. Crime que reúne as partes separadas do criminoso, o redime do mal que se fez, de quanto não se ouviu. A prostituição, enquanto profissão, desfaz porque separa. Todas as profissões, por definição, são exacerbações de umas tantas qualidades: o fazer artístico, construir casas, vender sexo. O “profissional” cuida da carreira, cujo nome bem diz das albardas necessárias para que se não desvie do carreiro. Qualquer "profissão", senão vigiada, desequilibra a personalidade.


















6 de Março


Dizer "sim" faz bem à saúde. O sim abre. O não fecha. O sim liga. O não corta. A energia é contínua e situa-se para além do sim/não. Ultrapassa as conjunturas em obediência final ao sim cósmico, ao movimento perpétuo. Senti-lo é pôr-se em acordo, deixar que a energia flua através de nós, sem nos atermos a uma sua particular formulação.


Ver o mar além da onda.














Talvez tenha acontecido uma mudança e seja a de olhar o Outro apenas enquanto humanidade e não este ou aquele. Consciência do movimento.


















7 de Março


Nunca tão lasso e a escrita tão afiada. Sou o que fui nela e morro em mim.


















9 de Março


Não quero dar aulas (embora recorde bons momentos com os alunos) mas não apetece roubar tempo à escrita e à vida para fechá-la numa sala. Cansado de "teatro escolar", inventar soluções e apresentar peças seguindo o programa, não que a coisa em si seja aborrecida ou irritante mas é o ritmo, onze anos de docência - começada em 86 – são já demais e quero dar aulas, sim, mas em menor escala.


Parar.














19 de Março


Escreve-se por ofício. Porque se o não fizermos, faremos outra coisa. Logo, façamos o que tecnicamente há mais tempo exercitamos: as possibilidades de satisfação são então maiores.


















24 de Março


Nos momentos de solidão escrevo, na angústia escrevo, no desespero escrevo: a escrita tem sido a caixa onde me ressoo na busca do Outro que a vida não me prodigalizou, ou já não sei procurar, habituado no entretanto ao papel.


E dou comigo afundado na madrugada e nos fantasmas, invadido pelo passado e coando-o em literatura.


A Arte é uma autópsia sem luvas nem máscara.


Sair de si é o que a maioria procura e os vendilhões do templo prodigalizam. A Graça surge todavia no sorrir sobre o abismo, reconciliando o escafandrista com a luz do dia. De certo modo a única alternativa para que o artista não morra suicidado pela obra, encadeado na luz das suas vísceras.


















Sem dia marcado em Março


Ao chegar a casa, tinha a seguinte mensagem no gravador:


"É hoje. Hoje o meu coração tem um buraco enorme, enorme, tão grande... Eu precisava de ser abraçada... Eu... Eu queria... dançar com o meu corpo colado a um homem... o meu filho faz dez anos amanhã... Estou a chorar... a chorar por amá-lo tanto... E ainda não fiz dinheiro para comprar a prenda e oferecer-lhe uma festa com comida, bolos e balões... Hoje, preciso de um abraço, muitos abraços, de ser abraçada por um homem que me ame. Estou sensível, frágil, sou menina outra vez, a mulher do óvulo... Aquele filho gordinho... Sou a que pensou quando estava grávida que ele não havia de ir à tropa, sou a que quer mudar tudo para os filhos terem um mundo melhor para viverem. Sózinha em Lisboa, não sei porquê, pensei em telefonar-te, vais ficar perplexo com esta mensagem, apetecia-me encontrar-me contigo para desabafar, para chorar, nem deves estar para isso, não é?, nem me conheces, mal me conheces, também não estou para dizer quem sou, se estivesses em casa, sim, diria... Apetecia-me falar com alguém e agora aqui estou, a falar para este telefone... Estúpida... Momentos de explosão, de solidão profunda... Profunda… O meu coração destroçado, numa solidão tão grande, tão grande que eu... Desculpa telefonar para ti, não tens nada a ver com isto, um beijo, diverte-te.. "














2 de Abril


Não me interessa o dinheiro, o poder, as mulheres, os homens. E a própria vida só a desejo enquanto puder servir.














3 de Abril


A minha irrealidade acentua-se à medida que cresço em anos. Um dia serei invisível de todo.














7 de Abril


Preferi escrever a viver mas a escrita obrigou-me a sentir a vida para a descrever.














8 de Abril


"Cheguei, tanto quanto possível, a termos aceitáveis com a vida" - esta expressão que encontrei em T. Williams sintetiza o meu estado actual. Não sei todavia se é definitivo ou se virá a explosão e mandarei tudo outra vez à fava.


Outrora fazia as coisas para lhes ver o efeito. Agora acautelo-me com as consequências.














20 de Abril


Chegou-se a casa gasto do dia e todavia não se fez mais do que conversar com duas turmas de adolescentes. Mas os contactos humanos são tal fonte de violência que me esgotam e, depois de um dia assim, apetece silêncio, todo o silêncio dos desertos, extensões sem paisagem, absoluto vazio.


Quanto mais me entrego ao Outro mais urge o recolhimento.














27 de Abril


Não basta a energia. Há que torná-la capaz.














Sem dia marcado, em Abril


Ir a um jantar político, não conversar com ninguém mas ver um partido na sua actividade. Pagar, aliás, a refeição para fazê-lo.


















1 de Maio


Carta a L.


Há buracos medonhos nos pensamentos, a corrente embate no fundo revoltoso das lembranças e estas saltam com a sua espuma de saudade, quando não são as Irínias que sucessivamente nos encharcam, incandescendo-nos até às alturas onde passeiam os cometas, o sol iluminando a tudo da claridade sombria que a verdade irradia.


Ouço a música que desliza pelo meu corpo, energia que gostaria fosse luz do mundo e, mais além ainda, numa vaga de clara bondade e estrelas fluorescentes.


Adeus amigos, estearinas que me iluminam o caminho por entre as árvores que planto e rego da vossa companhia.


















15 de Maio


Aceitemos as consequências das coisas com a mesma naturalidade que aceitámos as primeiras.


















17 de Maio


Aprendi o valor das coisas pelo custo da sua obtenção. Lógico, não é?


















19 de Maio


Carta a J. A.


De que serve lamentarmo-nos de não sermos capazes disto ou daquilo se continuamos vivos e até vencemos onde a maioria se derrota, lá na quebra de Si, na demissão do ser?


Façamos, pois, jus ao nosso estar e não o enfraqueçamos, adoptando formas de pensamento que contrariam o desejo de mais vida. O miserabilismo, tão do agrado dos românticos, é pouco útil neste tempo em que o mundo precisa de quem o ajude a tornar-se uma melhor casa, capaz de acomodar cada vez mais gente e não apenas a alguns. Sejamos úteis adoptando pensamentos que nos libertem do que nos impede a crença lá onde não devemos falhar: na confiança em nós.


















28 de Maio


Damaia.


A dez minutos de comboio do centro histórico de Lisboa e logo o outro lado das coisas: barracas, emigrantes mal alojados, a cama do capitalismo selvagem, desfeita, esquálida e onde o próprio amor se odeia por impossibilidade de sobrevivência.


Há um cão que cumprimento, e me aceita entre o surpreso e o indiferente - apanhei-o a meio de fazer qualquer coisa - e um outro que logo me dá a impressão de que lhe desagrado. Um gato, mais ou menos siamês, a quem digo "olá! olá!" e se deixa acariciar sem nunca me olhar. Por fim, aparecem duas raparigas e logo de seguida um garoto de dez ou onze anos, que, sob uma ponte, arranca cartazes. Digo-lhe: tu gostas é de pintar! Ele ouve-me mas também não me encara, tem os olhos inflamados, provavelmente de droga, ou apenas a condizerem com o sítio, desterrado, cheio de tapumes, lama, ruído de automóveis, chuva em poças velhas e perigosas. Um soldado passa, olha o homem-eu que, sob a ponte, se dirigiu ao garoto e, nos olhos do militar, leio a certeza da minha pedofilia!


Desconforto.


Há gente que não vinga pela mesma razão que certas plantas: a terra é má.


















Aveiro, 30 de Maio


Excursão de professores.


Depois de duas horas de programa em grupo passeio-me, só, pela cidade.


Água, barcos, uns ranhosos e outros novos, no hotel o porteiro adianta-se na abertura das portas e no quarto abro a Tv. De canal em canal a porcaria exulta. Estaco alguns minutos num canal onde um conjunto se exibe enquanto finge que toca. Mas no passeio o interessante foi um garoto ai pelos onze anos que, de mãos na boca, lançava uivos enquanto xutava uma bola contra a parede, lá onde alguém escrevera: "Com o voto mudas os amos, não os escravos".


















6 de Junho


A nova poltrona.


E eu muito sentado, a olhar...














Um dia, cansado da ingerência materna nos meus assuntos, afixei o seguinte letreiro na porta do meu quarto: "Cristo também trocou a família pelo mundo".


















10 de Junho


As coisas custam mais. A máquina cansa-se ou fartou-se de fazer? Ou é ainda a importância da obra que diminuiu de valor? Todavia continuo a querer servir. Única e exclusivamente. Talvez seja apenas cansaço momentâneo e precise de uma pausa. Sobretudo não devo permitir que o conhecimento do mundo, da sua fraqueza, me contamine. Porque a natureza, essa, continua indomável e só ela deverá ser o exemplo.


Eia, gente!


















11 de Junho


Encarnar um arquétipo conduz ao tratamento desumano do Outro.


Cada qual sabe o que faz de si e dos demais.


A febre da escrita acalmou-se para vir ao de cima outra igualmente antiga: a de agir. Mudar para melhorar.














12 de Junho


Apetece-me parar com tudo? Já fiz isso lá atrás, portanto não é inusitado. Talvez o repita em Julho. Parar para reflectir. Ver o que ando a fazer. Se apetece continuar. Ou seja: não andar porque se começou a andar, apenas porque a máquina se pôs um dia em movimento.














Falha-me a sabedoria. Talvez o cansaço ma impeça. Um desimportamento de tudo que me deixa alheio e não contente, distante mas não ocupado. Não gosto. Não estou cá, nem lá, e talvez isto tenha a ver com algo que pensava quando era adolescente: um dia farei o que me apetece. Afinal, fez-se sempre o que se queria e, no entanto, sinto-me apático, menos que idiota porque idiota ainda é qualquer coisa. A literatura é-me agora indiferente - ela que me foi o leit-motiv durante trinta e tantos anos! Crise? Cansaço? Andropausa? Enfim, o que seja, resolva-se! Engasgado, incapaz de reacção, acho que fiz mal em comprar uma poltrona porque sento-me nela e fico a olhar... a olhar...






















Noite de Santo Antonio, em Lisboa


Há vários anos que em Lisboa, pela noite de Santo António faço o mesmo: "pois que não os podes combater, junta-te a eles". E como o barulho na rua não me permite adormecer (primeiro é a exaltação do "Vamos para a festa" e, depois as bebedeiras do "Acabou a festa! ") saio e vou à Av. da Liberdade ver as marchas. Olho algumas e regresso. No salazarismo era porventura a única noite popular com as pessoas nos passeios até às quatro da manhã aguardando o desfile que vinha a conta-gotas. Daí para cá os bailadores tornaram-se mais gordinhos, mais arranjados, enfim, o povo melhorou.


Gosto de andar pela rua nesta noite em que a minha solidão me faz ver melhor a companhia em que os outros se passeiam e, a mim, às coisas por que passo.










O caos sobe, ferve, derrama e tudo se destuda. Deixo a escrita, viver alaga-se num mar oblíquo, escorregadio, e as caravelas dão à costa cheias de fava rica.


A salvação é impossível e mesmo os barcos costeiros riem como mercúrio que tudo inunda e metaliza: profundo, profundo, cantam as sereias que já me obrigam.


Não me atei ao mastro depois que acabei o último escrito - lembro-o a meio da agonia - e a borrasca continua. O até há pouco necessário, justo, propositado surge apoucado, travestizado, idiotizado: "para quê? Que chatisse!" - Grita-se em mim. E, sem defesa, soçobro, de borco nas cordas do ringue, ouvindo o árbitro: dez... nove... oito... e eu, calmo, sentado na poltrona.


Sete... Seis... cinco... Que tenho andado a fazer convencido disto e daquilo? Que prossigo?


Caos. Osac. Soac. Desconcerto... Despropósito... Muitas vezes "des"... Bruma... Des-oriente... Enfim, a Chatisse irrompe e a iluminação foi-se. Escrevo? Sou? Digo? Desperdício de vida! Tudo melhor do que preencher os dias a tinta e umbigo! Viva a desobediência! Aqui para quê? Além porque há-de ser? O norte e o sul grudam-se e o Sol não sabe mais do mar que o deite Entretanto, faço diários, linhas convulsas de dores tantas, deshábitos de coisa alguma... E assim há não sei quantos dias. Escrever isto ajuda? Ontem pensava que sim...


















Durante um período tudo se desordena, o caos irrompe. Deixo de escrever, a vida torna-se um mar imenso que tudo molha e submerge, todas as partes são iguais perante a sua grandeza e a salvação impossível. Sem norte ou sul, o que antes surgia necessário e justificado, aparece na limpidez do gratuito, casual, esquisito. Fico sem emprego, a braços com a vida, sem saber em que a ocupe ou começo a andar por aí, num passeio que não chega a parte alguma e vai aos confins do mundo.


Despropósito.


Desconxavo.


Desgrandeza.


Descaos.


Nestas alturas nem sei o que pense, o antes e o depois anulam-se e o presente desmesura-se em respirações que não se conjugam, e provocam vazios nos alvéolos dos pulmões. Escrevo? Para quê? Escrevia? Para onde? Porque não deixar tudo e seguir coisa alguma? Todos os movimentos parecem ser melhores e mais susceptíveis que o dever quotidiano de preencher a tinta os dias. Um grande bordel insinua-se e eis-me a braços com o Nada. Faço? Não faço? Vou? Fico? Sacudo-me, viro-me, analiso-me em mil modos e em nenhum me consigo: estou algures, não sei onde, e ninguém em mim responde. O cosmos foi-se, os laços partiram-se, as pontes ruíram e, entre mim e o Universo, restam lembranças infantis, contos de cácárácácá. Só. E ando assim dias, mal acabo um escrito, talvez até oito ou dez. Saio-me agora de um desses períodos? Mas nada é claro e escrever soa ainda tão absurdo como ao desdentado extrair um dente. "Melhoro"? O próprio verbo deprime. Então fazer coisa alguma não é bom? Nestas alturas, porém, preencho folhas a esmo neste diário, como quem sente e não ousa o quê. Escrita desencontrada do seu papel, letra avulsa e desenfiada. Pássaros que podiam ser símbolos mas que voam todos ao mesmo tempo, incapazes de aninharem uma gramática. E, por fim, caio tonto, como náufrago ou filho pródigo que, seduzido pela aventura, quanto mais nela se embrenha, mais sente a saudade do sítio onde as coisas eram, sustinham, imanavam luz e sentido.


Desfeito.


Desorganizado.


Caos?


Literatura?


Grande vómito.


















20 de Junho


Rui,


Fez-me bem encontrar-te, achei-te frágil, e por isso forte, ao leres isto talvez nem lembres que nos abraçámos de contentes por nos vermos e tão pouco soube responder à tua pergunta " Como estás?" mas nunca sei, e talvez seja por não sabê-lo que se escrevem livros, pintam quadros, constroem pontes...


















Hoje sonhei esta frase: "no bem ou no mal, cumpra-se!"


















28 de Junho


A actual quantidade de artistas diz também de uma juventude que, sem emprego fácil, é convidada a criar a sua própria empresa. Mas quantos desses, se não fora a facilidade de uma ou sucessivas bolsas artísticas (do ponto de vista da entidade que as atribui trata-se também de não perder o investimento) teriam arriscado na Arte? Isto explica o nível superficial e de mero consumo de muito “arte” que se faz. Porque a profundidade só a vida, a inevitabilidade da atitude artística a confere. Mas viver intensamente (seja voluntário ou não) implica um tal desgaste que raros sobrevivem a tempo de transformarem a experiência em objecto artístico.


A Grande Arte, aquela que a partir de uma cabeça de alfinete fala dos maiores problemas, essa será sempre escassa e só reconhecida, a maior parte das vezes, a posteriori. Na actualidade, a luz da multiplicidade e as prateleiras do supermercado encandeiam, tanto mais que o público, levado a consumir arte pelas mesmas razões que os jovens a fabricam (fazer andar o aparelho produtivo) iguala a estes na superficialidade. Tempos difíceis para o artista? Enfim, pode passar sempre à clandestinidade e fingir que é outra coisa. De qualquer modo, antes a demasia que a escassez. Há sempre tanto por deitar fora.














1 de Julho


A maioria não dá a volta às voltas que dá














8 de Julho


O meu livro - o primeiro que alguém me edita - vem ai. Calha na altura em que me encontro submerso por problemas económicos, incertezas, dúvidas, inclusive, acerca da própria escrita.


Sinto-me quase nada (o “quase” expressa o desejo de manter a cabeça fora da enxurrada) para não dizer menos que tudo. Existo?


Surpreendentemente atribuem valor ao que faço!














10 de Julho


Por vezes a paciência para os gastos da vida escasseia e viver torna-se, como por castigo, mais penoso. As coisas caem, a caneta seca, a folha desliza, os olhos desfocam, tudo se revolta numa afirmação calamitosa da nossa impotência.


Descobri (ao fim de tanto tempo!) "Mudar de Vida" de Paulo Rocha. Soberbo. Ouviu-o dizer na cinemateca: "Se fosse hoje não saberia fazer este filme. O seu segredo perdeu-se para o cinema português". Só uma grande austeridade de vida alcança tal economia narrativa.


















12 de Julho


Em derrota. Como se as coisas acabassem por vencer e inútil a luta que lhes tenho oposto. Nem uma batalha grandiosa a culminar a guerra. Antes um sentimento que se parece com a demissão, a saída pela porta de trás, dissimulada, suja. Perdeu-se, e não há segundos prémios nem discursos explicativos. Mesmo o telefonema da editora "Sr. X, vamos enviar-lhe os vinte exemplares do seu livro" cai como epitáfio a culminar a decadência última: "Veja, agora está à mostra. Nada se esconde, não é?" e ouço os risos em volta.


"Cerrar os dentes e continuar" - dizia o meu tio.














Afasto-me e sou mais amplo. Vejo mais e talvez me concentre menos, pois a extensão que abarco tornou-se maior. Que interessa o grão de areia no imenso deserto? Faz parte, sim, mas...


Todavia, tento reduzir o campo de acção, evitar que a esta visão, mais cósmica, se junte uma panóplia de objectos que me dispersem. Mandei embora um dos telefones, despeço-me do supérfluo, de certo modo recolho-me, agora que nada temo - este sentimento não me é novo - e os outros perdem a urgência que outrora me tinham. Mas, no fundo, sempre vivi para o meu projecto, e a ele sacrifiquei alegremente família, status., etc., e este "etc" diz bem do à-vontade com que optei por uma não-vida. Há, em mim, um campo aberto, devastado. Melhor diria: clareira. Como se tivesse deitado abaixo largas árvores para ver melhor a floresta. E talvez doa a sombra que perdi. Vivi só. "Sem ninguém a quem encostar a cabeça " - como disse um dia Louise. E agora há como que um espanto, um deslumbramento que não sei se é amargo. O que vem aí? Edição de um livro... Glória? Fortuna? Desejo a ultima apenas para não pensar em dinheiro e mesmo assim...


Quis o vazio. Obtive-o. Fiz-me campo aberto, planalto donde se olha o mundo. Um tornado passou e levou tudo? Não. Fui eu que me despi. Nu, olho as roupas que não comprei. Nada invejo. Fiz-me intensa ausência. Volta não volta entretenho-me a sentir sentimentos. Até à exaustão.


















14 de Julho


Chegada do pacote com os vinte exemplares do meu livro a que, por contrato editorial, tenho direito. Ainda não abri a caixa mas a reacção já cá canta. Uma sensibilidade mais à flor da pele como fêmea em período. Farto de festejar fins de escrita sozinho, quero comemorar a visão do meu primeiro livro com alguém. Entretanto experimento a fundo (o pacote chegou pelas dez da manhã e só o abrirei pela noite, na companhia de uns poucos) esta passagem de fase: não havia editor e passou a haver! A edição surge no momento certo: se a fizesse aos vinte anos, como esteve para ser, não teria hoje o alcance do acontecimento.


Se...














Poucos homens e mulheres se levam a sério. Por medo, pela lei do menor esforço, por herança familiar, por...














Acho-me mesquinho e medíocre. E escrever isto, na esperança de não parecê-lo, só confirma a minha mediocridade.


Entrar na estrutura revela-se a assumpção de uma série de relações que se pautam pela conveniência e profissionalidade. Não agrada. Conviver obriga e o poliglotismo é, sem dúvida, mais cósmico. Mas que trabalheira! Do partido De Tal já me apeteceu sair dez ou vinte vezes. E de tanta outra coisa! Da escola! A escola é tão violenta!














O critério: permite a felicidade da maioria e não fere as minorias? Então porque não?














Sem dia marcado em Agosto


O negócio cultural invadiu o planeta e hoje os artistas vivem na clandestinidade. Eu? Artista? Nem pensar!














Ao ouvir canções da época da minha adolescência percebo que realizei o meu sonho e que ele se revelou um susto.














A minha arte passa pelo convento.














De novo não distingo entre mim e o personagem. Suspeito que tratar do narrador d' "O Manual" me contagia do seu laxismo. Ao fim e ao cabo, só sou no intervalo das minhas histórias. De resto... E o que encontro nesses intervalos é o vazio, o olhar sem pensamento, o ver como se não fosse daqui mas também não quisesse conhecer: olha-se e passa-se adiante.














Melhoro.


De repente o gato adoece, o processo da herança paterna - que sempre me desinteressou - obriga-me a insistir com um tio para que me testemunhe, a companhia dos telefones quer-me cobrar chamadas que não fiz, enfim, a estrutura investe e, habituado a sentir-me "desenfiado", houve que levar a cabo movimentos como se pertencesse a Isto, como se o importante não se realizasse noutro aqui e agora.


Lasso, com desejo de voltar à situação de turista.


A passagem a máquina deste diário mostra-me uma caneta em luta. Para quê? Para despejar a sua tinta.














1 de Setembro


Nestas alturas desaparece a missão ("desaparece", aliás, soa demasiado civilizado) e também o desejo. Fica a vida, a sua incapacidade de ser vivida, a asfixia, e nada há que a torne aproveitável. Mal respiro














23 de Setembro


Mal.


Não sei se é de mim, ou da escrita do "Manual" que todo ele é fora de si. Depois, não páro de perder folhas do texto em acordo com o narrador da história a quem sucede o mesmo. Já nem sei que faça depois de repassar o manuscrito quatro vezes com a certeza de que nunca consigo uma cópia igual à perdida.


Apetece sair - são 22 horas e estou já deitado - fugir ao dever de ir amanhã à escola, fazer de conta que a noite me diverte e perder-me com alguém que se queira perder também.














O espanto. Talvez o espanto. Outrora o sentimento era o de assistir, ou ter sobrevivido, à grande devastação. Agora é a perplexidade. Face a Isto. E a perplexidade causa-me paralisia. Mexer como? Actuar porquê?














30 de Setembro


Alturas em que o mundo fica lá atrás e nós deste lado. A estranheza, a repulsa, nem já sentidas mas matéria objectiva como se parede entre nós e os demais. Não lhe pertencemos e todavia estar connosco é também incómodo. O sem pai, a queda no vazio com a vertigem e a solidão a rasgar-nos, a incapacidade de, perante nós mesmos, merecermos estima.


Abandonados.


O mundo foi-se e também não ficámos na nossa companhia. Balançamos no azur, na sua transparência afiada como bonecos presos a elásticos que uma criança volteia a bel-prazer, indiferente ao arrepio que o mundo às avessas nos faz. E lá vamos. Ou continuamos. Nem sabemos como. Afinal, a inércia é o único deus ou ente que nos anima: se a sobrevivência até agora foi possível, há hipóteses de que continue. É claro, ignoramos para que a queremos. Apenas não nos matamos. Talvez porque não se acredite na morte. Ou seja ela uma chatisse ainda maior, para mais à vista de toda a gente. Enfim, aquém de tudo.














Farto de alimentar equívocos por mero efeito da minha capacidade de adaptação. O professor, o condómino, o premiado... Bolas! Que interessa isto? Sou o ladrão, o proxeneta, o chulo, o traidor (o Judas ao meu lado não passa de um aprendiz) o que não presta, o que não vai nem diz e, afinal, denuncia, o cobarde, o sem préstimo para coisa alguma, o que nunca pensaram capaz de existência mas que, para vergonha de todos (se o mundo a tivesse!) existe!


Deixem-me!


Quero ser só mas íntegro. Não faço parte da matilha e à minha própria traio.


Larguem-me!














A sensação de que me resta, única e exclusivamente, o caos que organizo, aquele que responde ao nome que lhe dou, o que domestico.


Nem gente, ideias ou deuses.


Nada.


(Neste nada a minha existência ergue-se como algo que não consigo ignorar, fazer de conta que é nula: ocupa lugar, dá-me trabalho, pensa)


Então entretêm-me as prateleiras que coloco na parede, o livro que leio, o prato que cozinho (a empregada a dizer "O Sr. sabe fazer de tudo um pouco") e, apurando o prazer, lá me evito desfazer-me.


Até quando?














A impressão de que devia usar um letreiro: "Em decomposição"














15 de Outubro


A médica que me descobriu um vírus não tão mortal como o da sida mas que pode evoluir para cancro, quer que eu leve injecções de interfuron.


- O Sr. ainda é novo. Vale a pena. - Disse ela.


Recordo o médico na prisão da Pide referindo a minha altura:


- Dá para poste telegráfico!


Avaliações.














Valho?


Por vezes tenho de lembrar-me das "condecorações" recebidas para acreditar que tudo isto não passa de um pesadelo, e que o meu ser tem algum préstimo para além do aborrecer-me, provocar-me uma segregação escrítica.














Guardo estes papelinhos com o mesmo sentimento com que o utente do metro conserva o seu passe: o fiscal dá-lhe importância, senão...














Na Exposição Mundial, uma noite fria, a última da feira, a olhar as estrelas e os adolescentes divertindo-se em grupos. E eu só. Sempre só. A solidão, a única possibilidade à altura da lâmina que sou.














Sem dia marcado em Setembro


Escolhemos o que podemos e oxalá escolhessemos o que quisessemos.














23 de Outubro


A chatisse aumenta-lhes na razão directa do convencimento de que sabem e que, sabendo, são. No fundo, são marionetas de um saber afixado, pretendentes a comendas e traindo a tudo e todos. No interior nada reconhecem porque não passam de meras exterioridades.














A sociedade pega-se. Viscosa, prende-nos os movimentos. O detergente chama-se sabedoria.














23 de Outubro


Eles têm ideias, sabem, são... Mas eu, aparentando certeza e conhecimento, navego num mar que a todo o momento ameaça engolir-me. Talvez eles consigam esquecê-lo, mas eu vivo onda a onda. Não é medo, é consciência da fragilidade.


















25 de Outubro


A minha vida é um sonho de grandeza sem fundo, onde a quimera faz de certeza e a loucura de garantia. E assusto-me, nos felizmente raros momentos onde a fantasia se desnuda, deixando-me indefeso no mar alto da consciência, na lucidez do olhar em volta e descobrir no horizonte, de um lado, a sepultura, e do outro, lá longe e imemorado, o poço negro, cerrado para sempre, depois que de lá saí!


Cá fora tropeço, insone e cego, e nada sei neste desejo de saber tudo, onde alegre e inconsciente me engano. Eis-me.


Não chego a mim, não regresso ao esplendor antigo, e sobro-me entre ruas e esquinas onde me firo. Morte lenta, saboreada segundo a segundo. Depressa, faça-se de novo escuro!


Luz, vem!


















Metido numa série de gaiolas, a da escola onde canto como professor, a de escritor na qual sou um digno escriba, e assim por diante, uma colecção de máscaras que, mal me descuido se me colam e, no entretanto, a sensibilidade embota-se-me sob o peso da aparência, do Como está? - Bem obrigado.














Sem dia marcado em Outubro


A consciência pouco pode modificar. Quando muito esconder. Dos outros. Mas para os mais intrinsecamente "desonestos" até esconde do próprio.


















Dia de todos os mortos, 1 de Novembro


Sim ou não, submeto-me á quimioterapia? A médica diz que há 80% de possibilidades de curar o vírus e eu, bom, eu penso que posso albergá-lo sem que ele evolua para cancro.


Confiança no mal?














15 de Novembro


Obrigado a fazer anos por exigência de dois ou três conhecidos que sabem da data e me obsequiaram com um jantar. Direito a canção aniversariante e etc.


A vontade continua a mesma: fazer o melhor que posso e, sem mais demora nem grandes avisos, morrer. Todo o tempo afastado da obra é penoso.


Habituei-me a erguer patamar sobre patamar sem me preocupar excessivamente se chegarei ao telhado.


Calmo.


















Sem grandes contradições ou ansiedades. Não fosse a burocracia do viver (ganhar ouro para isto ou aquilo, etc.) e tudo decorreria sem história. Cada vez mais nos trabalhos e menos em mim. Inclusive, deixei de ter gostos. Sinto o que devo? Qualquer coisa assim. Em todo o caso o desejo de viver conventualmente impõe-se. Não isolado mas só.


Quando se vive plenamente não há muito a contar.














5 de Dezembro


Inicio da quimioterapia. Efeitos secundários: “depressão, instabilidade, em casos extremos suicídio”... mais a incerteza, acrescento eu, se de facto cura!


Boa viagem!














13 de Dezembro


O sexo não tem sexo.














18 de Dezembro


O balão largou e perdeu-se o botão que o fazia descer, que tudo comandava e com o qual a realidade aparecia e desaparecia a nosso bel-prazer. Agora as coisas aí estão, não se esvaem quando queremos e a sua factura aguarda-nos irrefutável, como o banco dos réus em dia de julgamento. Perdemos a palavra mágica, o encanto e o despertador toca para manhãs de pesadelo em auroras de aço. Bom-dia! Bom-dia! - Dizem mas nada significa, a não ser a impotência em dobrarmos as coisas, em impedir a guilhotina que nos afiará o pescoço. A morte pode vir quando quiser, o serviço a que nos dedicámos, numa sexta-feira treze, tornou-se ainda mais absurdo e somos bonecos de feira em dia de fecho ao público. Connosco mesmos estamos sem ninguém. Como num deserto sem camelo que nos liberte.














30 de Dezembro


Zonas de mim que mal visito. E nem sei que lhes faça. A da convivência com Júlio. Amei-o ou...? Licínio... A vida numa sucessão de períodos infelizes como se não me tivesse cabimento o bem-estar. Desencontros. A sensação de estar sempre onde não devo. Qualquer coisa se torceu e talvez deva destorcê-la. Lá onde tudo começou e tudo começou com o regresso da droga. Como se o regresso se tivesse feito onde não havia que regressar e as coisas se perdessem aí. O que dá a ideia de que a coisas se salvam é que vou produzindo "obras artísticas" como se a vida se devesse empregar nesse míster. Que desperdício! A minha infelicidade passada a sumo de arte.


Enjoo.


Sofro por não ser, por não ter uma relação qualquer com alguém, uma coisa que os outros estabelecem e, a mim, me parece além das possibilidades. Bom para decoração. Como não odiar a minha obra se ela vive da minha desgraça... e ao mesmo tempo ma atenua?


Desvida.


















Sem dia marcado, em Dezembro


A insegurança leva à acção e à verborreia. Porque se o indivíduo pára, sente o seu caos. Logo, quanto mais foge ao caos, mais palavras diz. Algo não funcionou com os indivíduos que não se construíram um fundo seguro e precisam de buscá-lo algures: na ordem, na paixão, no poder, no trabalho. Insaciáveis, não se saciam do que, de facto, os saciaria: a estruturação do seu caos, a constituição de um em si.














O rigor é o bisturi da verdade.














Tudo quanto obtive (prémios e distinções) alcancei-o na tentativa de fugir ao mundo, inclusive o artístico.














Sem dia nem mês marcados


(Enquanto os meus alunos fazem um teste)


A humanidade em minúsculo: uma catrefada de gente contorcendo-se para vencer o exame e capaz de tudo. Animais acossados. Hábeis no engano e peritos na mentira. Desencontrando-se e chegando ao fim coisas. Resquícios.


E a excepção, sempre, confirmando a regra.














A tecnologia liberta a humanidade para a entregar a si mesma.


Mas logo a indústria do lazer, ao serviço da distracção, a tira de si.


E no entanto minto: quantos chegam ao seu tutano?


Uma exterioridade sua e outra perfuma-se. O mal em ambas idêntica.




























































































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