sábado, 6 de novembro de 2010




1978


Licínio! 
(...) 
Se te apetece... Porque não?



     3 de Janeiro
Se te apetece... Porque não?
E para quê justificações? Poupa-as! Não vês que o desejo encalha nos senãos?
Que de ti digam apenas: fez!


25 de Janeiro
Fim deste convento donde o deus já fugiu, mas onde me conservo e expludo.
Dois anos de ascetismo!


Namoro com Licínio que alia exuberância e discrição. Mas ambos evitamos habituarmo-nos um ao outro  como cães que, tendo vivido tão sós que quase regressaram ao estado de lobo, não querem já esquecer esse passado, não vá ele regressar.
Como se professasse: nada ou ninguém me tirará deste caminho, de aceitar-me e ser eu próprio, mesmo que nas ocasiões mais difíceis me refugie no sono.
A marginalidade tornou-me desconfiado e alguém que chora a criança que em si matou.

Pinto a casa com Licínio mas o cenário, cumpridas umas poucas de condições, é-me indiferente.
À ideia de publicar turva-me e impede que sinta quem verdadeiramente sou: um escriba por necessidade interior ou, como diz  Botelho: "Com os dias tão compridos que faria se não pintasse?". Comigo não será bem a mesma coisa, pois há a necessidade de ser útil.


31 de Janeiro
Escrever é uma aventura, um brinca-esconde, onde, às tantas, nos perdermos no jogo. Mas este é quem comanda.


13 de Fevereiro
Cada dia dou menos importância ao exterior.
Escolher bem os íntimos, descobrindo no mais breve espaço de tempo com quem contar. Se me engano é porque não me conheço ainda. Porque só me sentirei bem junto de quem me reflicta.



Sem dia marcado, em Março
Calmo como há muito não sucedia, como se, enfim, apeado na gare de mim mesmo.
Sem escrita, desconfio de mim próprio. Há mais de uma semana que não acrescento uma linha salvo neste diário. Curioso isto de necessitar de ponto de apoio... Não se pode existir só porque se vive?
A interrupção da escrita ficou a dever-se à vinda de Licínio cá para casa. Sim, esquecera o viver acompanhado.

Sinto tudo, estou em tudo, vivo o momento, não importa o tempo, apenas a intensidade.


Andei a vestir outro que não eu.


A arte fascina por oposição à natureza

Desenterrei a espontaneidade, a minha arma e medicamento. Há muito que não me sentia tão combativo! Perdera-a no dia a dia.
Calado... Neurótico...


5 de Abril
Mesmo a meus olhos vivo uma vida singular. E o futuro?
Deixou de ser pertinente acreditar na escrita. Acredite ou não, fabrico-a, é a minha forma de vida: nasci para testemunho disto.




Época emocionante e difícil.




8 de Abril
As coisas tomam outro caminho. Por vezes esqueço a intuição. Quis acreditar que concluiria o curso de letras quando tudo me dizia que não. E, claro, não o termino.
Reato o contacto com o outro lado da vida, o de "olha as horas que se faz tarde!". Talvez tire o magistério primário. Mas, à parte estas ninharias, que faço?
Nada.
Acabei o que me parece ser o primeiro volume de “Caldas” e preparo-me para o segundo.
A vida ocupa-me e chego ao final dos dias sem esforço. Nisto há muito da influência de Licínio. Gosto.




10 de Abril
Disperso. Ora pego numa coisa, ora noutra e acontece tomar uma e afinal (interrompo)



12 de Abril
Esta tarde construí uma pequena peça de teatro: agora (noite) sinto-me oco como saco que despejaram.
Não tenho lido. E provavelmente não farei o magistério primário. Assim como assim, entre o estar “de estufa” e o fazer mais alguma coisa, prefiro a segunda hipótese.



O barbeiro, no final do corte de cabelo
- Parece outro!
- E no entanto sou o mesmo… – Respondi.



19 de Abril
Modifico o quotidiano: deixei de ir à “Brasileira” e frequento pouca gente.
Disposto a aceitar o emprego em que a mãe insiste.
A vida torna a emocionar.
De novo manuseio a existência ainda que num quadro estabelecido. Mas há sempre margem para a des-acção e esta incentiva.



20 de Abril
Miguel mostrou-me o seu carro descapotável de modelo único. Continuo incapaz de inveja.
Cresço, agora com mais consciência do caso.



25 de Abril
Festa no Terreiro do Paço. No ar o desencanto. Só vi um cravo.
Gostaria de aumentar o meu poder de compra mas isso obriga-me a entrar ao serviço doutrem e cada vez sinto mais que "só se vive uma vez". A questão reside, pois, no tempo. Na gaveta jazem projectos. “Caldas” avança lentamente. Mas será possível escrever mais por dia?
Perdi os óculos e não há dinheiro para substituí-los. Urge uma injecção de ouro.
Sono e vontade de escrever.
Tomo café.



Continua "Caldas" enquanto faço por não me perder no meio da barafunda da estadia de Nadir e Francis cá em casa, mais as reclamações dos vizinhos com a música alta que "até faz tremer os lustres!"



28 de Abril
As hipóteses de trabalho que a mãe me propõe levar-me-ão pelo menos a primeiro-ministro.
Porque não colher morangos em França?
P.Scritum: A vida é de quem a vive.



4 de Maio
De mal comigo e com os outros. Quem disse que a actividade criativa era um prazer?
Ultrapasso a decepção pela descoberta de que, afinal, se pode confiar em muito poucos.
Nasce-me um outro homem.




5 de Maio
Em constante contradição componho-me mais de buracos que de argamassa.



7 de Maio
Dia feliz.
Não tomei nenhum calmante e nada me angustiou.



8 de Maio
A vida pode ser o maior acto artístico. Por isso há tão poucos artistas.



9 de Maio
Não creio em nada do que prometo aos que me exigem mudança de quotidiano, até agora consagrado exclusivamente à escrita. Atiram-me com Venezuelas, Paríses, tal como já me quiseram nos Brasis ou na Suiça. Tanta oferta confunde-me mas tomei uma táctica: digo "sim" a tudo. Na realidade, talvez  aprenda o fandango. Mas como convencer disto a mãe? Escrever está-se a tornar uma construção clandestina: se me perguntam o que faço, respondo tudo excepto que “linho” (isto é, faço linhas.)



10 de Maio
Recebi um fato para “certos” contactos. (Enfim, sempre é um fato!)
Amanhã encontrar-me-ei com F.A.: o objectivo da entrevista (marcada pela mãe) é a edição de um dos meus trabalhos ou/e um emprego que me permita o tempo necessário à conclusão de um “canudo”.
E sinto-me distante, desinteressado, como se a engrenagem corresse a meu lado, sem perigo de me engolir. No íntimo continuo fiel ao voto de despojamento feito pelos dezoito anos, quando decidi viver com o mínimo possível.
Convenço-me que a felicidade é mais dificil quando depende da cotação da bolsa ou não se atravessa a rua sem que digam: "lá vai ele!"
Cada dia mais revoltado contra esta estrutura e também capaz de a perceber. O que não me significa defendido…
Consciente da mediocridade da minha vida.



18 de Maio
Os dias passam.
Escrever apaixona-me. E, como todas as paixões, também esta é violenta, dolorosa e… extasia.



Sem dia marcado, em Junho
Cansaço e, ao mesmo tempo, uma força que me empurra para adiante.
Gostarei de alguém?
Sem deixar de me levar a sério não levo a sério coisa alguma.
O problema surge quando nos apegamos ao provisório.



10 de Junho
Os últimos dias foram menos dolorosos embora os tenha passado como náufrago à vista de terra: certo de atingi-la, desde que mantenha a calma, e inquieto por ela tardar.
Dias de desnorte, de deriva sob forte borrasca. Apaixonado por Licínio, sem temperamento para paixão (o meu estado natural é o alheamento) vivo entre a razão e o sentimento.
Releio “A Condição Humana”.



16 de Junho
Devo encontrar um trabalho de lavador de pratos? Ou teimar num curso que adie por mais algum tempo o "patrão"?
Voltar à situação de estudante. De qualquer modo a fome de saber continua insaciável.
O flexível quebra menos




27 de Junho
Fase conturbada. Não distingo o sentimento da sua encenação, se bem que suspeite de muita teatralidade na minha paixão por Licínio. Isto de não ser nada, de não sentir coisa alguma, causa confusão: os dias passam iguais como se os visse num ecrã, sem causarem dor ou riso. Gostaria de possuir dados de comparação mas convenço-me um poucochinho mais que sou uma pessoa singular.


12 de Julho
Uma calma não total mas um estar agradável proveniente de um autodomínio eficaz, a ponto de já não dar por ele. Educação dos instintos?



13 de Julho
Calmo, esvaziado de sentimento, embora sinta. Como se tivesse posto um escudo ou, melhor dito, algodão nos ouvidos: a música lá fora trepida mas em mim o sossego e o silêncio são absolutos.
Nada temo.
Não desejo mais nada salvo o meu nome: existo.



14 de Julho
Convidei Sofia para depositária dos meus escritos. Já perdi tantos!



1 de Setembro
Acordo de uma longa anestesia.
Que fiz nos últimos dias? A certa altura decidi meter férias, as quais terão contribuído para o “fare niente” em que caí. No entanto não preenchi mal o tempo: findei a passagem a limpo de Cristiana, pondo termo a quatro anos de indecisão acerca do que fazer às diversas versões que entretanto fui escrevendo. O caminho abriu-se, pois, a uma  Cristiana sem  paradigmas (morreram todas num fogo nocturno e suculento)
Este calor de Verão tardio contraria o meu desejo de camisolas e flanela, de chapinhar na chuva ou ficar em casa, ouvindo-a cair lá fora.


2 de Setembro
Perfeito.
A vida escoa pelo seu alçapão.



11 de Setembro
Panne.
Saturação de tudo.
Modifiquei a sala, o quarto, o que pude: quatro anos de sedentarismo são muito. Por vezes creio que estoiro ou ficarei inerte.
A escrita parou e só de pensá-la sinto náuseas.
Anseio por ser posto desta casa para fora para que alguma coisa mude. Enjoo a tal ponto o cenário que só me apetece incendiar o apartamento. Aliás, um destes dias quase sucedeu!
Nunca me senti tão perto do suicídio e, todavia, o instinto de sobrevivência nunca me foi tão forte; já agora quero saber onde me levará o meu ceticismo do mundo.
A liberdade está cada vez mais cara, a não ser que um indivíduo se isole ou faça vagabundo. No entanto, pelo que me toca, mau grado o que possuo (uma secretária, uma cama, uma cadeira e um armário) o consumo ainda não me contagiou. Mas passar numa pastelaria e não comprar "aquele" bolo, irrita-me tanto (pela injustiça que significa) como se me travassem o andar. Embora já quase não coma doces, disponho-me a deixar ainda mais coisas: ter necessidades é sentir-se mortal, imperfeito, humano.
Merda.
Também sou lúcido.



11 de Setembro
Nem diário nem nada. Não me reconheço. Gosto de quê? A maior parte do tempo sou tomado por acontecimentos com que nada tenho a ver. Isto deve acabar, pois nem me realizo, nem rendo onde não me sinto.



23 de Setembro
Sob o signo do sono. Dei pela noite. Pus a papelada em dia e seleccionei-a por temas. Vou trabalhar a sério?
Readquiro certas qualidades.



2 de Outubro
Viver só... acompanhado. Viver acompanhado... só. Harmonia a dois? Cada qual para seu lado sendo... sendo... sendo...
Eu e Licínio…




18 de Outubro
Habituo-me a uma vida mais regular, mais pacata, mais normal, enfim. (Dada a dificuldade em ser normal isto significa progresso, pois começo a parecê-lo)
Amanhã inicio aulas de inglês a empregados de um restaurante.


19 de Outubro
Atrai-me a pintura de meia dúzia de objectos utilitários num tabuleiro sujo da refeição. Como se nos espaços que as respectivas distâncias traçam, todo um universo de gestos e vida se soltasse: a usura.



Inicio de madrugada, 27 de Outubro
A crise económica alastra.
Vive-se no inseguro, não há certeza de nada e as verdades no planeta cada dia parecem mais ridículas ou menos importantes, visto que não nos salvam da angústia.
Mudei de fase, pois acabei com as ilusões de publicar, as quais duraram quatro anos. Neste momento sou capaz outra vez de escrita já fora da ideia da edição. Não é que esta fosse muito forte – ao fim e ao cabo escrevo por mera necessidade de sobrevivência, como quem matinalmente se olha ao espelho e verifica que existe – mas o caso de me dar a conhecer como escritor levou-me a querer sê-lo para toda a gente. Luís Pacheco diz que quando se escreve e não publica rebenta-se pelas costuras.  Mas se na altura concordei, hoje sinto que o meu trabalho é clandestino e que na clandestinidade me recolho.
Em resumo: bem, embora lamente que se não viva doutra maneira.

aquica
2 de Novembro
Travessia de Gibraltar com Licínio.
Gente que se considera de primeira classe  e outra que só tem dinheiro para viajar em segunda. Fui olhar a rica: feras enjauladas com receio do tifo.
O mar, esse, alheio a divisões e compartimentos.

4 de Novembro
Casablanca.
Ora a penúria, ora o salão nobre. E Hassan II por todo o lado.

Lisboa, 19 de Novembro
Não perder o balanço e viajar... viajar... viajar...

21 de Novembro
Esta gaita do dinheiro é obsidiante e absurda. Até para falar com alguém pelo telefone devo meter moedas.
Quero deixar as lições de inglês. Que chaleira!

20 de Novembro
Maior poder de observação, de penetração nas coisas, no que as caracteriza.
Sensatez. 
Passaram os anos em que poderia descarrilar ou pela droga ou pelo sexo. Neste momento sou senhor  do meu projecto. Idade da razão? Uma maior percepção de mim próprio, um olhar diferente sobre os outros: não já a busca de afinidades mas a constatação da diferença. Como se chapa fotográfica que apenas retém o que a impressiona. Lembro um fase análoga pelos dezanove anos, embora a consciência de então fosse a de que apenas provava o que um dia seria  definitivamente possível. A percepção de hoje iguala a desse tempo justificada já pela experiência.

2 de Dezembro
 A subjectividade não me absorve tanto. Mais longe dos laços afectivos, retomo uma independência há muito desconhecida.
Reconheço-me na solidão. Licínio para quê?

9 de Dezembro
Ir para Paris ou ficar em Lisboa?
Talvez vá.  À parte isto sinto-me tranquilo.
Uma noite destas tomou-me um desejo suicida. Agora sei que, se acontecer de novo, posso sempre lembrar como alternativa a ida para Paris. Sintetizando o sucedido, foi como se a queda num abismo que me atraia e ao qual dificilmente resisti. Mas o instinto de sobrevivência continua apurado e satisfeito com os recém-feitos vinte e oito anos. Que sinto? Que os outros me tomam definitivamente por adulto. Comprovou-se que sou escritor - caminho que decidi aos onze anos – e o gosto pela escrita continua.
Sob o ponto de vista afectivo faço o que devo e não fico a dever no que faço.
Possuo um temperamento aparentemente sociável mas na verdade selvagem e agreste, com dificuldade nos contacto humanos.
Sem medo de tomar posições “incómodas”.

10 de Dezembro
Readquiro hábitos perdidos.
Quanto mais vejo os outros se ligarem, mais me  desprendo.
Não me sinto domesticado. Saio à noite para saborear o vento e penso que conseguirei uma companhia para quando apetecer. Porque Licínio...
Não se vive do passado. E é mau emprego da memória permitir-lhe que nos martirize.
Cada dia mais liberto.
Quanto menos me reprimo mais tranquilo fico: a certeza de me saber capaz de transgressão leva, finalmente, a que não transgrida.
(E todavia quão diferente a imagem que de mim ofereço!)

27 de Dezembro
Licínio e eu concordámos sobre o "certo" e o "errado". Esperança, enfim, de que funcione!

Sem dia nem mês marcados
Dores nos olhos. Insatisfação nas companhias. Sono pelas esquinas. Casa intranquila.
Paraíso: precisa-se!
Ser é afastar-se.

Deixei de me projectar, isto é, tomei consciencia da impossibilidade de seguir á risca um plano. Ou que não seja de todo impossível mas chegou a altura de perguntar: “Para quê assim, se posso ser assado?” Ao fim e ao cabo tudo é permitido e não me traio. Ou traio? A certa altura interrompi os estudos e instituí-me escritor (prefiro dizer escriba). Os dados tinham sido lançados, não havia mais em que pensar e o “meu caso” arrumara-se. No entanto tudo derruiu, primeiro com o exílio, depois o regresso aos estudos...
Que me define?
Desinteressado e afastado (gosto de Licínio mas a separação anuncia-se) vejo-me capaz/incapaz de tudo.
Por favor, abanem-me a ver se tremo!
Isto parece-me cada vez mais idêntico.
Fico adulto?
Que abismo da imaginação ao possível!
(Finjamos que não)

Fome de carícia cósmica.

Pouca coisa a dizer.
Passageiro em constante perca de carruagem... Haverá ainda combóio?
Escrevi – não tanto quanto queria, mas enfim! -  e posso afirmar que as malfadadas horas do dia são todas necessárias a isto de testemunhar o seu tempo.
Produto de um longo solilóquio, saio-me dele ileso, embora pudesse sair doido.
Nada é gratuito.
E sempre a impressão de não dizer coisa certa, do pensamento não atingir o cerne, fugir a introverter-se, dando como resposta á pergunta “quem sou?” sempre uma aldrabice qualquer.

Amo a escrita e venho-me nas frases mais vibrantes.

A vista choca nas paredes, como nas grades de uma prisão. Mas afinal onde a desgraça? Não sermos os únicos responsavéis pela nossa existência? Cada qual sendo outro, onde nós mesmos, o que se não veste para as visitas? Ao fim destes anos, a existência surge-me mais como resultado do Outro sobre nós, e, em consequência, a nossa vida alheia.
Somos disseminados algures.

Tristeza critalizada em qualquer coisa para sempre assim.
Abomino multidões, aglomerados e transportes públicos.
Vontade de ir para casa. Vontade de “casa”. Onde?
Insaciável, não admito como tendo boas maneiras, quem o não seja.
Mais!
Mais!
Mais e o impossível ainda, porque de utopia é mesquinho não nos provermos em quantidades absolutas.

Alguém disse que eu escrevia para a gaveta. A expressão é pertinente e nunca me dera conta.
Voltaire aconselhava a quem se lhe queixava da escassez de ouvintes: "Ora essa! Tem o indispensável para dizer livremente sobre o que quer que seja".
Na gaveta mil projectos. Na perspectiva a total dedicação a uma teimosia: ser escritor a tempo inteiro.
Não receio a fome.
Caminhar para o fim não desejando senão a morte. Que mais se pode desejar?

Sábado pouco tanslúcido.
Dormir... dormir... e horror a adormecer.
Farto de casa, poeiras, chatisses, farto das vozes dos outros, das minhas e do resto.
O problema surge quando nos afogamos no provisório.
Não perder o riso.
A vida é para viver sem senti-la.

Inibição. Desdém. Ruptura. Grito. Cometa. A senhora Jazebel. A pupila suja. O desempregado. A mosca no vidro. Isto e tudo. Mais a palavra pura.
Última linha.

Tão deprimente é a estrutura social onde o humano actualmente se consome que não admira a  maioria prefirir-se “rebanho” a tomar a sua vida nas mãos.

Hoje subiria aos céus se céus houvera, seria o Ideal abolindo a Noite, o melhor entre os já acima dos cimos, excelente além dos limites.
Hoje sento-me numa cadeira de verga gozando uma réstea de Sol.

O orgasmo já não basta.
Desejo explodir-me a tinta.

Sempre esta auto-crítica feroz, este remoer cada coisa, cada palavra, cada gesto, incapaz de olvidar a olímpica mediocridade humana. Ah, o sono, o sono que não vem, as noites longas e brancas como um lençol esticado na cama.
Segundo R., monárquico, não tarda curvaremos de novo o joelho ao rei. Pela minha parte espero que os monarcas que me calhem – tenciono resistir a vários reinados – tenham as mãos isentas de calos (possuo um dedo torto da escrita) para a maviosidade do beijo nas ditas.
Esta profissão obriga ao silêncio.

As sensações produzidas pelos outros são verdadeiros estímulos desde que não percamos o rumo à nossa teia.

Bendita solidão onde sinto o eu e a responsabilidade que o liberta!

Dia calmo.
Calor. 
O meu crescimento acentua-se.
Desejos de mais.

As certezas abaladas procurando tenazmente as antigas.

Tudo se faz sem grandes exageros, na calma que a segurança permite e a idade sanciona.

Licínio, Meu Grande Amor do Nada, neste postal te digo do grande frio que me gela os pés.

No meio de uma dúzia de pessoas vivo ansiando por   isolamento, pela paisagem solitária, para que não me pereça o que mais prezo: o apego a nada sendo tudo.
Continuo duvidar do emprego da minha vida e tanto mais quanto ando enfraquecido. O sujeito que sou, o projecto trago consigo, safa-se com os meios em vista?
Parte das questões que se me colocam devem-se à minha semi-integração: ainda não pertenço à engrenagem e todavia já não lhe escapo.

























Nenhum comentário: