sexta-feira, 5 de novembro de 2010

1987


Agora... agora o que é isto?





Lisboa, 7 de Janeiro
Vivo a história de um despojamento.
As coisas não são o que pensávamos.
Desperta-se-me o sentido do religioso e o deus que venero alberga-se em mim. Presto-lhe homenagem no mais completo respeito pelo Universo.
"Você não tem o direito de esconder isto!" - diz Marta, depois de ler Rua Augusta.
Parece que R.A. provoca sentimentos, enfim, mexe com quem o lê. Mas retrai-me a hipótese de me olharem como "escritor" Quis sê-lo quando muito jovem mas, agora, só quero servir. A quem? A que a espécie ultrapasse os seus conflitos pelo lado melhor e não se autodestrua. A minha ternura pelos outros é grande mas o meu desapego supera-a. Não pertenço a isto mas não me digo doutras esferas. Viver não é importante nem indispensável. A morte não me assusta e, há poucos dias, fiz um considerável esforço para me justificar a vida. Não pretendo suicidar-me mas o amor à vida desapareceu. Não sei quem sou e, todavia, sou ponte. Oxalá outros se me encontrem porque, nos outros, tenho encontrado tudo e, igualmente, o enorme desejo de estar só, de me retirar para o encontro comigo. Ser é uma obrigação e recuar perante essa necessidade atrasa o mundo. As minhas palavras são pobres, porém faço por não fazer teatro com elas e manter o pudor. A superficialidade mata. Nos outros tenho encontrado os obstáculos para a minha luta. Na capacidade de amar o meu triunfo. No ódio era ainda amor que sentia.
A contra-gosto, a custo, afirmo-me diferente. Mas quem sente a sua espécie deve acordá-la.


9 de Janeiro
Já o disse: por um tempo - de má memória - os meus interesses foram mesquinhos e sem grandeza. Desejei a glória e o domínio. Conheci a maldade humana e o maquiavelismo. A descida ao que de pior temos. A minha distância às estrelas foi grande.
Sinto-me melhor.
Neste momento desejo apenas servir, ser útil, por qualquer forma, à humanidade, ajudá-la no caminho por uma vida mais liberta do medo e da opressão. E tenho como atributos pestíferos a vaidade, o pensamento virado unicamente para si, para o espelho, ou ainda o desejo de ser "importante".



15 de Janeiro
Não levar muito tempo a pôr em prática o modo de vida que se acha mais justo.



Não te prendas aos que têm maus costumes mas corre direito à meta, sem olhar a uma banda e outra
Marco Aurélio.



21 de Janeiro
Porque escrevo? Hábito? Inércia? Por dizerem que o fazia? Por me haver convencido de que não sei outro fazer? Para acentuar a imagem que se me colou? Por aversão ao mais?
Mas o desejo de escrita passou. Se a fizesse seria unicamente para ganhar a vida como "escritor", dado que adquiri essa capacidade técnica. E sinto-me liberto. Escrever para ganhar a subsistência seria um insulto à minha religião. Despeço-me. O meu espanto é grande, embora algures tenha previsto isto. Só não sabia que seria assim. Como se dissera tudo, sinto-me preenchido e o que penso neste momento é expressável noutro registo, não precisa de papel ou tinta. O ser e a paz. Olhar, apenas.




23 de Janeiro
Expectativa. E simultaneamente distanciamento. No medo do risco, perde-se a vida. Porque, na sua constante adaptação, ela tece-se no perigo. E o medo paralisa-a.




25 de Janeiro
De novo tudo parece sem saída e o êxito alheio aumenta o preço da minha aventura.



27 de Janeiro
Viver tornou-se num acto calmo. Não desejo nada e gosto do que faço. Recolho o fruto das opções tomadas na adolescência.
Da leitura deste diário verifico que a ideia do suicídio me ajudou a ultrapassar certos períodos. Havia sempre uma alternativa. Entretanto aprendi a vida.



29 de Janeiro
Durante um ano fui um funcionário público da escrita. Apliquei-me a rever trabalhos e a relê-los, gastando nisso Sol e olhos. Nasceram Rua Augusta, O Sucesso, A Ala dos Inocentes. Pára aqui o processo.
Volto à vida.



30 de Janeiro
Fui educado para ser. Por isso desejo dissolver-me. Mas eu próprio me amestrei para a morte. A cada qual seu trabalho.
Enquanto puder, consisto.




30 de Janeiro
Gripe. Cabeça azamboada. Sem que o espere, entregam-me um envelope com dinheiro proveniente da venda de A Ala dos Inocentes". De imediato sinto-me não bom mas melhor. Magnífico remédio!




Sem dia marcado, em Janeiro
Parte! Parte de vez! Não te atenhas ao que não és,
o ser é inapreensível e de quase nada precisa. Parte! Parte de vez!
Não compliques o simples
Um saco-cama, a escrita e nada a cumprir. O caminho brota.




Seis de Fevereiro,
O meu ódio face aos outros virou benevolência e ternura. Acho-os responsáveis mas compreendo-os. Existir - afinal o mais fácil - tornou-se no mais difícil. Adoece-se da doença de não ser.



Que interessa?




As coisas conjugam-se. O mundo dá por números e somos uma sua parte, coerente com o Todo. Estar em paz significa estar de bem com Ele - o que significa de bem consigo. Nasce-se, vive-se, morre-se. O depois ignora-se. Os animais devoram os de espécie diferente para se alimentarem. O humano devora outras espécies e canibaliza ainda os seus semelhantes. A crueldade faz parte do mundo e chama-se existência. O humano pode melhorar. Para isso sirva a consciência.



Sete de Fevereiro
Não contar com os outros. Nada basear no relativo. Nada esperar. Só a mudança é perene. Que a morte venha.


Não há certezas. Há opções.



Oito de Fevereiro
Mais necessidade de escrita do que de dizer. Mas escrever é dizer e o discurso subjuga-me. Utilizá-lo para me libertar.



Onze de Fevereiro
Ultimamente a apetência de escrita é nula. Deixei de dizer? Em todo o caso se continuar a escrever, fá-lo-ei por um acto consciente, já não pela imperiosa necessidade doutrora.



Quinze de Fevereiro
Desinteressado interesse ou olhar à distância.
A escrita abandonou a função mítica. De necessidade imperiosa passou a possibilidade entre outras. Olham-se os papéis rabiscados com displicência. A vida deixou de ser mármore para esculpir algo. Vive-se, é essa a sua função. Certamente que o preencher dos dias, e o do estômago, obriga a fazer coisas. Façam-se! As tarefas identificam-se na escala dos valores. A humanidade persegue um objectivo? Seria atribuir demasiada importância a bichos entre os mais. Através da espécie algo se aperfeiçoa? Possível. No cosmos os desaparecidos cumprem a função de haverem existido e nada é vão. Há um sentido? O que lhe dermos. Depende inteiramente de Ti. É a tua escolha. És o réu, o juiz e a testemunha.



15 de Fevereiro
Retomo o contacto com uma voz interior que não é a da razão nem a do intelecto mas algo de anterior e mais profundo. Talvez a intuição. Durante tempos vivi sob o reino das ideias, do intelecto, e, à medida que sucedia, afastava-me cada vez mais de mim, construindo coisas, arquitectando construções de vida. Neste momento, apenas vivo. Que tem a vida a ver com valores como "prestígio" ou "exercício de um cargo no Poder"?



15 de Fevereiro
A impressão que escolhi, cruzei ou, simplesmente, me sucederam caminhos não certos. Mas adquiri calma e tranquilidade de espírito. Não por serem estes ou outros mas porque foram caminhos, por não me recusar a fazê-los.



18 de Fevereiro
Tratei os meus escritos como uma viúva abnegada cuida dos retratos do defunto. Agora preparo-me para colocá-los em altares de vidro para renderem. Montras. A escrita acabou.




24 de Fevereiro
Mudar. Ter sempre essa capacidade. O estático é antinatural. Envelhecer é esclerosar. Tudo é perene mudança.
Talvez saia de um período de vivo desencanto. Ou o reencontro com um encanto, fruto da teimosa persistência em não me querer desencontrar. Tenho pensado se este mesmo desencanto - que corresponde à sensação do "já vivido", da repetição - não é fruto do quotidiano dos meus últimos tempos. Ser professor é apaixonante mas que tenho a ver com o ensino? Os horários a cumprir contrariam o gosto pela liberdade. Esmorecem. A vida acima de tudo, pois que outra coisa não sou.
Vontade de não me fechar a rever escritos mas de andar pelas ruas, montes, vales e, por fim, no grande nada. Aqui enclausurado é que não tem piada alguma. Pareço um velho senhor retocando doutas memórias para leitura doutros doutos senhores, entre chás e tisanas servidas por criados de ferrugem.




25 de Fevereiro
Produto de uma série de forças que a minha própria energia impulsiona, não me posso demitir mas apenas continuar. Ainda que não apeteça ou pareça inútil. A energia é cega e devo sê-lo também, não desejando compreendê-la. O universo ultrapassa-me.
As pessoas são vítimas das suas pretensões.
É justo que a partir de certa altura deixe o que me foi motor de vida: a escrita. Como a nave que, no espaço, abjura o módulo que a lançou.



A falta de espaço que aflige as famílias pobres levam-nas a desejar a morte uns dos outros. Entre os ricos acalenta-se a mesma esperança mas atiçada pelo valor das heranças.
Um escasso número de homens e mulheres vive em paz.



28 de Fevereiro
Escrevo literatura? Nenhuma certeza. Para maior confusão ignoro o que os outros escrevem ou criticam. Mas não quero ver nada, nem conviver senão com a minha pessoa. Pelo meio encontrarei outros.




Sem dia marcado, em Fevereiro
Levei seis meses a juntar dinheiro para decorar o varandim. Na manhã em que, na florista, finalmente comprava terra e sementes para o arranjo, passou na rua, em grande alarido, o cortejo principesco de uma dama da corte inglesa. A ostentação dos poderosos tornou insignificante, senão ridículo, o meu penoso amealhar de dinheiro.
Deixei a loja acabrunhado.



Saber por que se vive é uma questão de sobrevivência. E viver levando a cabo essa razão. Quem no-la confia? A voz interior. Qual a sua validade? Ser guia de uma vida.




3 de Março
Os sentimentos que me sugerem a passagem à máquina destas folhas! Ao cabo de contas, tudo isto é história, conto, intriga! O meu urdimento.
Nojo.



Não admira que o português seja o habitante do meio-termo: o clima não é extremo, a paisagem, embora agradável, não tem alturas nem depressões excessivas, o mar na costa é ameno, as chuvas não são trombas de água, enfim, tudo o que o português sente é mediano e sensato. Como ter, assim, a ideia de trabalhar arduamente? Daí, também, a desconfiança do Estado. É sempre excessivo.



16 de Março
Menos encantado ou encantado diferentemente.
Não importa já a questão "para que faço?" ou "porque vivo?" O movimento que me anima, por mera inércia, continua e, lá por ser consciente, não é justo que me sirva precisamente da consciência para travá-lo. Depois, essa consciência é a de um humano e este... quem é? Alguém que busca uma razão de vida, um sentido. O mais apropriado tem a ver com a diferença em relação aos restantes animais. Ou seja, a cultura.
E no entretanto disto me morro mas oxalá algo fique. Ser útil ajudando outros a serem-no também. A espécie, ainda que desapareça, terá sido o que com ela fizermos.



20 de Março
Vontade de dormir, de nada.
Não me reconheço. Vivi anos sob uma turbina, a cujo barulho nunca me habituei e tornei-me ávido de silêncio. Serão os trinta e tantos que já conto? Não constituí família. Não lhe sinto a falta. Fazer, construir, edificar, afirmar-me, deu lugar a uma outra vontade, não sei se oposta, de viver, simplesmente. Mas a fúria passou. Porque a juventude desvaneceu? E esta maturidade que parece? Era disto que, na minha adolescência, os Velhos falavam?!
Inscrevi-me num partido internacionalista e recém-formado para preencher uma lacuna de experiência. Admito de novo a acção. Sujeito-me a ela dizendo-me que faz parte da vida.
No fundo só desejo a morte. Há todavia momentos perfeitos, aqui e agora.



22 de Março
A venda dos meus cadernos na rua teve consequências desagradáveis. Perdi a vergonha, a timidez de mostrar o que fazia em segredo. Ainda me ressinto disso, não ultrapassei a questão e ignoro se alguma vez o conseguirei. Daí uma perda de escrita. Fazê-la neste diário é já a tentativa de reatar com algo que afastei, levado por outros interesses. Difícil lidar com a  materialidade e, simultaneamente, evitar-lhe o efeito. Neste momento tento preservar uma forma de estar que me fez chegar aqui e disponho-me à expressão das minhas contradições.
Viver por viver e não para acumular ouro.
Mais próximo de mim pela destruição das imagens que me afastavam. Já não me preocupa a coincidência com elas. Cada vez mais contemplativo.



Ao princípio não havia razão alguma. Apenas a necessidade do desabafo. Depois, foi a lembrança de que se começara um diário e, logo, porque não continuá-lo? Ou seja, aquele resultou de duas razões: vontade de não abandoná-lo e haver qualquer coisa para "lá" escrever. Mais tarde - e este "mais tarde" nada refere cronologicamente - escreveu-se por "pose": escrevinhava-se no diário do "escritor", homem com responsabilidade perante si mesmo e a posteridade...
Agora... agora o que é isto?



1 de Abril
Inicio um curto jejum, depois de passar por um ourives e tornar a furar a orelha. O que pareceria um acto de moda é a busca de algo que neste percurso quase se perdeu e, em consequência, me fez sentir desinteressado, morto. Porque pretendi - nesta cura da toxicomania que iniciei em 79 - tornar-me uma pessoa igual às outras. E como me senti mal! Mas reato finalmente com o que era antes da droga: o desenfiado, o desnormalizado, o diferente, vivo e disponível. Neste processo, já deixados os produtos da toxicomania, houve fases em que me fui um pesadelo no sentido do desencontro. No receio de voltar ao vício o desintoxicado - observei-o igualmente em tantos outros  -  torna-se  um cego cumpridor das regras da cidadania, um funcionário público infeliz, adotando os tiques da única profissão que lhe oferecem como bóia de salvação. Um subsídio de convalescença, sujeito a vistoria das veias (apenas para dar o seu a seu dono) possibilitaria ao ex-tóxicomano o tempo de se reencontrar, antes propriamente da integração profissional. Como escolher o que se quer fazer quando ainda se não é?



S. Martinho do Porto 6 de Abril
Tão frágil que me admira a própria acção. Deve ser a lei da vida porque o mundo é enorme e medonho.



Lisboa, 13 de Abril
Afazeres do quotidiano económico: ganho dinheiro como professor e escrevo "sketches" introdutórios - que interpreto - aos temas em debate num programa televisivo. Como se frequentasse a primária e a professora dissesse "Hoje a redacção trata de..." E lá escrevo o episódio. Ultrapassou-se, pois, a carência económica, até há pouco colmatada pelo "Veja se gosta?" que, na rua, dirigia aos transeuntes, incitando-os a pegarem nos meus cadernos.
Mas a sensação dos meus textos serem aceites por gente que já não tem a desculpa de mos comprar por distracção, bondade ou patetice - na rua tudo se escoa - é a de haver conseguido algo graças à persistência. Sem esta o talento esboroar-se-ia.



14 de Abril
Um diário pretende jogar o jogo da sinceridade.
Como jogo é sinceramente estimulante.



Não gosto de emprestar dinheiro. O dinheiro queima-se e queima.
Prefiro dá-lo.




15 de Abril
Lídia,
Ando foragido. Deixei de telefonar a A, B, e etc., pois desejo voltar à situação que tinha em Paris, quando não havia ninguém em volta. Os humanos são muito interessantes mas prefiro os irracionais.
Que tenho a perder se for ao fundo da minha loucura? Ficar louco é indiferente e, se não o ficar, então ficarei lúcido e, enquanto lúcido, é-me igual vender limões ou fazer qualquer outra coisa. O mundo do prestígio estatuído nada me diz.
Amanhã vou gravar novo texto para a TV e só darei aulas no dia 6. Desejoso de que passe o dia da gravação para voltar à aparente quietude da escrita. Aceito interpretar o que escrevo. De resto, para actor não tenho paciência, talvez porque detesto o "público". Mas estou calmo. Afinal que sucede à sinceridade quando nos obrigam a mil coisas que não apetecem? O refúgio em vagos momentos.
Tanta volta se deu que não se sabe já para que lado fica a Terra ou quem - ou o que - nos restou. Cada vez mais afastado do geral ainda não sou suficientemente particular. Falta de energia? Invasão alheia? Um enorme desimportamento, ao mesmo tempo que uma não menor importância atribuída a mim mesmo, sabendo, no entanto, que, no fim do percurso, lá estarão os outros. Sozinho me tranquilizo.
Beijo.



28 de Abril
De novo a dúvida. Que faço durante o dia, escondendo-me num quarto com papéis brancos à frente? Que existência!



Oito de Abril
O meu desinteresse por este diário vai de par com a minha inserção social. Todavia ainda vivo. Porque estar vivo significa não colar ao papel ou função social. Neste aspecto não possuo nenhuma. Diria que a minha profissão é existir, se a palavra “profissão” não fosse tão oficiosa. Apesar de tudo ainda mexo. Este "apesar de tudo" significa que emirjo, depois de quase me haver perdido da forma mais eficaz, isto é, sem percebê-lo. No desejo de me recuperar das drogas duras ia reabilitando um cavalheiro que nunca existiu e era a minha imagem, o meu super-ego. Durante algum tempo obedeci-lhe, tomando por mim mesmo um tal que usava monóculo e bengala... Sim, na fase mais aguda da recuperação, quando o ex-toxicómano quer a certeza de que ancorou para sempre em terra firme - e a vida é avessa a certezas! - cheguei a usar bengala e monóculo! Agora - que lentamente ressuscito - reencontro o desintegrado doutrora o qual,  precisamente por sê-lo (a outra razão foi o desejo de contar a experiência)  quis visitar um outro lado das coisas, o universo interior proporcionado pelos químicos. E a esta distância - nove anos da decisão do seu abandono e cinco da sua execução - que penso? Este lado da funcionalidade vale a pena? Não. Aqui morre-se lentamente, de resignação quotidiana, aceitando (doutro modo seria impossível) pequenas recompensas no dia a dia. A mais eficaz é o poder! Que nojo! Hoje imaginei uma sociedade onde os valores fossem tão diferentes que o exercício do poder fosse motivo de humilhação. Não consigo imaginar o futuro mas se for apenas um exponencial do agora não o invejo.
Abandonei a venda na rua, embora me exponha ainda uma vez por semana, para não perder o contacto com o Leitor "anónimo". Mas faço-o por opção. Oh sim, estou vivo e capaz de largar tudo! (Reconheço-me na capacidade de correr riscos. A apregoada "segurança" nunca me comprou). Embora ganhe o suficiente para alugar um apartamento durmo no parque de campismo.
Cabana e... mais nada.


16 de Maio
Este lado não interessa
E o "regresso" é um movimento para trás, uma oração ao invés.
Uns incham de fome, outros rebentam de cheios e, nos bares, emborcam-se copos e músicas para matar a realidade.



Dezasseis de Maio
Professor de doutas aulas, eu o indivíduo a quem não há muito os amigos pressagiavam a morte por over-dose. Há cinco anos que não me injecto! Mas também digo: isto é uma chatice! Ou seja: não sucumbi à droga mas sucumbirei ao desgosto.
Resta preencher o tempo até que tudo termine (ou continue noutro lado) pois acabar por motu proprio não apetece: pode haver continuação e não me desejo má estreia.
E para não me entediar neste entretanto, respondo à questão "que fazer?" de duas maneiras: ou me fecho, longe dos outros, do seu ruído, com papel e tinta para entreter as horas, ou crio coisas, organismos, instituições, etc., isto é, componho uma imagem de "utilidade social" que a mim próprio ilude.



Tomado de “mal do escritor” digo-me, ao aproximar-me da folha branca: "Ele vai escrever...”. Então, com a lucidez que me resta, vocifero: basta! Mas o mal de novo acomete e logo me torno a sentir exterioridade.
Desprezo por esta vaidade de fazer coisa visível, algo socialmente "importante".
Eu, uma formiga garatujando sob um vendaval de pó. Amanhã o nada.


Vinte e três de Maio
A escrita dá-me agora um prazer diferente. Mais tranquila, mais senhora de si, menos ansiosa por contar. Capaz de escrever um dia inteiro sem objectivo algum. Também o quotidiano se vagariza. Olho em volta e acho a maioria das pessoas loucas. Comem em pé, correm e morrem sem darem por isso. Tudo para obterem "conforto".
As coisas descomplexam-se. Não espero companhia nem prazer físico. Isso foi importante para viver agora sem. Mas ficar no mesmo é parar. A vida tornou-se talvez mais insípida. Porém mais límpida. Há quanto tempo não cometo um excesso? Já não necessito dos banhos de lama para olhar as estrelas? Vivo e alimento a vida para que ela se faça.
No metro, deu-me um ataque de riso por me lembrar de algo com piada. E ao imaginar a minha figura rindo sozinho, mais ria. Na carruagem, devem ter pensado "é louco". E na verdade? A racionalidade deste status quo perverte.



Nos melhores momentos da escrita, quando entre mim e o resto há o fosso do castelo, sou música que o universo entoa.



Não nasci para comprar.



O visco da seriedade pequeno-burguesa.



Compenetrado do meu papel de escriba e da transcendente importância das minhas tarefas quotidianas, interpreto com frequência certos acontecimentos como sinais do destino e, naturalmente, sinto-o a realizar-se, mercê de tais sinais. Cómico se não fosse sério. Pelo meio, tento convencer os demais das minhas verdades, seriedade, capacidades e coisas assim.



Nada sei.
Durmamos e vejamos as coisas no sonho. "Nas tintas" para tudo. Torno-me cínico?



25 de Maio
Ontem passou outro sketch meu na TV. A chamada pós-modernidade é a gente vender-se completamente por menu: miolos, corpo, tudo. Esforço-me por manter algo de mim e nem sei como consigo só fazer aquilo com que concordo. Ou sei: à custa de fome, reumatismo e teimosia. Não me arrependo mas percebo os que "falham".
Embora a todos a ideia surja, a maioria não se abalança.



Sete de Junho
Embora o professorado pouco me interesse, prefiro-o à venda na rua, onde não me exponho há cerca de um mês. Agora, quando preencho um papel onde perguntam "Profissão?" escrevo "Comerciante". E não minto: vendo um pretenso saber em "História do Teatro" e mais, como mercador, tenho direito ao anonimato: quem, aqui e agora, não vende?
Para já repouso da longa travessia que foram os últimos dezassete anos iniciados quando, aos vinte, disse a meu pai: "Guarde o seu ouro que vou conhecer mundo". Porque (finalmente?) conto outra vez com algum dinheiro fixo.
Cansado e... capaz de recomeçar tudo de novo.



Catorze de Junho
Percebo que envelheço. E não é delicioso. Dá mesmo vontade de fugir. Terei ainda que provar muito? Sufoco. Que fazer? Esquecer? Escrever? Fazer de conta que não é nada?
Angústia.
Sair e dar um passeio.



24 de Junho
Faz o que deves mesmo contra ti. Porque a partir de certa altura, com o avançar da idade, és tu o teu maior inimigo.



E o jovem que partia pelo mundo fora levado por uma força indómita e destruidora?



As pessoas querem chegar a muito velhas mas esquecem-se de se manterem jovens. E tornam a vida uma velha(ca)ria.



O mundo só me interessa como matéria para os meus livros. Talvez eles falem do mundo.



O corpo dos outros é-me uma paisagem.



Sem dia marcado, em Junho
Ninguém sabe destes meus olhos que exteriormente olham e observam com um ar de inocência desmedida mas que, ao menor perigo, fuzilam e lançam esconjuros.
Ninguém sabe.
Mas toda a gente adivinha que, à face da Terra, só o sonho nos torna visíveis, e que a realidade só se deixa apreender pelos números. E mesmo assim…


5 de Julho
Passar pelas coisas sem nunca assumir uma forma definitiva. O ser não pára. Mas há aquisições que se guardam.



Nenhuma certeza.
Que queria fazer?
Tive medo.



18 de Julho
Nem enérgico nem firme. As fronteiras entre o eu e o não eu diluem-se e tornam-se obscuras. Sou o que vejo, o que leio, o que passa. Ou a consciência desse estado de coisas.




20 de Julho
Impossível construir uma intriga que conduza o Leitor atrás de um enredo cheio de peripécias. À parte n’ "O Estado", sempre que escrevi uma intriga senti-me ridículo e não a enredei. Ignoro o que seja a minha escrita mas parece-me uma tentativa de não ser outra coisa senão ela mesma. Existe por si e para si. O resto são modelos, gostos de época. Hoje o palco mostra-se nu. O teatro exibe-se. A máquina de filmar apresenta-se.



23 de Julho
Admira-nos a nossa crueldade e em crianças já somos cruéis. O que deve admirar é a capacidade de fazer bem.
Só a consciência que se esquece, repousa. O resto é preocupação.



Sinto-me um homem da renascença interessado por mil coisas sem desejo de se especializar em nenhuma.




Sem dia marcado, em Julho
De novo a acuidade desta sintonia com as coisas mesmo as mais cruéis e dignas de horror. Não sei o que seja mas, nestas alturas, o ser dissolve-se, restando o espírito entre o nada e o absoluto. Depois, uma comoção em extremo fina, lágrimas mesmo, e tudo se torna ainda mais difuso. O cosmos, o resto, o ínfimo, o bem e o mal, o sempre acima dentro de todas as coisas, o eu sem o eu que o comprima e defina, o fora de tudo, a muda testemunha.



E agora? Qual a pergunta? Cheguei ao ponto em que tudo parece dito. No entanto ainda falo, ela, a fala, ainda se exprime. Colocada na balança das mercadorias não deixa de ser. Não se apagará um dia submersa no espectáculo?
Não querer ser o que se não é, não possuir mais do que o que se possui. E ser-se capaz de deixar, a qualquer momento, tudo.



Morreu o homem inexperiente e ingénuo. Nasceu-me, sem que desse conta, embora um desgosto todo feito de saudade mo insinuasse, um Outro, adulto e responsável, desprovido de ilusão. A vida fez das suas nesta teima de me gastar os dias sendo outra coisa. Que os deuses me ajudem a compreender o incompreensível, a singrar nesta derrota, onde de mim próprio busco vitória e descoberta. A nave voa.
Ah, e a vela?



1 de Agosto
Difícil manter o rumo na tempestade.
Os que encontro, andam aterrorizados, sem saberem do futuro, como preencher o vazio ocasionado pelo desejo de actividades que não sabem precisar. Por fim, observam o seu próprio espectáculo, o seu consumo, e confundem-no com a existência, feita então mercadoria. Como sucede ao que compram, também eles mesmos se vendem e, por fim, carregam.
Dá a ideia de que só fugindo a esta avalanche de banalização o espírito se recata do acontecimento, podendo então pensá-lo. Distancio-me, pois, e observo: a distância côa as atitudes.
O corpo fez-se moeda de troca e a afectividade recusa-se. A dificuldade de equilíbrio na teia é tal que o amor dificilmente resiste à necessidade do poder. Os outros contagiam com as suas interpretações materialistas e oferecem a meus próprios olhos a minha imagem desvirtuada onde, por fim, eu próprio me esgueiro e perco.
Receio a celebridade que apaga.




21 de Agosto
As vidas heróicas e predestinadas, tudo isso desapareceu. A humanidade libertou-se dos deuses tutelares para viver enquanto homens e mulheres, contraditórios, medrosos, por vezes heróicos mas sem obrigarem ao seu próprio destino os demais.
Os que buscam hoje a verdade, os alquimistas, sabem de antemão que nunca a encontrarão, que ela é relativa e que o mais que podem esperar é que essa busca de impossível os torne seres menos possíveis. A raridade, um valor em si mesmo.




2 de Agosto
Não é sem dor que damos nascimento a uma nova sociedade e modo de estar. Os papéis para que fomos criados exigem satisfação mas a prática moldou-os diferentemente. As profissões deixaram de ser compartimentos estanques e apela-se à mudança, à aprendizagem permanente, à interdisciplinaridade.  Escrevo, actuo, pinto ou danço, e o que fica não é a obra num campo especifico senão a vida como obra.




6 de Agosto
Mal sinto. Fujo-me. Recorro à forma para que me insufle um conteúdo. E vagueio, vestindo acessórios que me invento.



8 de Agosto
Sou o que vejo ser.
Beber um copo aqui... Fumar um cigarro acolá... Acompanhar os outros...
Ser é ir além.



Vá!
Deixa-te de pequenismos e sê quem em ti chama!
A quê o medo?
Morres à mesma!




17 de Setembro
Recusei a personagem na peça de grande produção para que me convidaram. Angustiava-me a escrita por rever enquanto procuraria ser outro.




21 de Setembro
Viver para o “eu” dá à vida uma dimensão mesquinha.



29 de Setembro
Este diário acaba.
Mantive o estado de graça até aqui. Agora publicarei, ganharei dinheiro e serei como qualquer outro.
Conservarei, todavia, o respeito pelo que fui não pegando mais na caneta.



Sem dia marcado, em Setembro
Incapaz da paciência para contar fábulas. Se os Leitores as preferem, ou uma geração de escritores lhas oferece, que sejam todos muito felizes.



5 de Outubro
Morrerei depois de dizer.
Difícil a escrita no meio da apetência pelo dinheiro. Não sei se lhe resistirei, a atracção pelo poder é enorme e em meu redor os amigos enriquecem. Deverei deixar-me ficar "para trás", optando por esta vida que não dá nas vistas nem se desloca a alta velocidade? A incerteza é grande e a fé vacila. Outrora quis ser escritor, um grande, enorme escritor. Hoje confronto-me com uma realidade que me convida a tornar-me funcionário da escrita. E falta-me a força para persistir em princípios que se me desvaneceram de encontro à nova realidade, ainda que a não aceite.
Só.
Ontem encontrei uma quantidade de papéis do período anterior, de quando acreditava.
O meu antes acusa-me ou ri-se de mim.
Não sei o que faço.
Que interessa? Existir. O que os outros chamam ser - e é afinal ter, ostentar, intimidar - não me diz respeito, pois quanto mais me espectularizo menos subsisto. Disse a A. da minha intenção de insonorizar o meu quarto na Rua Augusta e fechar-me a escrever. Achou estranho. No entanto é essa a via. O resto diz-me cada vez menos e esta noite, quando cheguei à bilheteira de um teatro e um grupo de jovens me chamou "professor" senti a etiqueta lassa. Professor? Eu?
Asco!
Sou tão pouco do que faço! Agora, agora neste preciso momento, algo me brota autêntico… Mas logo me perco e dá vontade de não falar a ninguém. Eu... sou isto.
Isto o quê?



11 de Outubro
A vida decorre.



Raramente atiro a matar. É muito raro mesmo. Mas quando o faço também gosto de acertar. Embora fique de sorriso triste nos lábios.



Não gosto dos poetas que se afastam da vida para que ela não os suje.
Não são poetas. Ou são poetas da cobardia. Mas se eu pudesse ser rei, para não ter de ver a miséria... Por vezes a realidade que é tão baça, tão sem brilho ou, pelo contrário, tão lustrosa de surrada. E cheira a estragado. E resistimos. Mas no rosto vai surgindo um rictus de... bom, apesar de tudo acho que me rio, no fundo, ainda rio: de contente comigo, por estar vivo, d' Isto. Com ternura. Muita. Imensa. Em Beethoven aprecio a energia.



16 de Novembro
De novo eu e as folhas. Tenho andado tão distante delas. A ganhar ouro. Ontem fiz trinta e sete anos. Não me tornei famoso nem rico. Quer isto dizer que fiz nada? A tendência social para pensar assim é enorme. Dão-nos tantos exemplos de gente célebre e rica e imaginamo-los a norma. E nós, nós somos a sobra. Não é agradável não ser rico nem célebre. É pertencer à cinzenta maioria. Não sei se pertenço à maioria. Tenho a impressão que não mas confundo-me. Onde a minha originalidade? De Janeiro a Maio não farei outra coisa que não seja rever e concluir escritos. Depois posso fazer outras coisas, inclusive morrer. Ao contrário doutros, que querem a todo o custo prolongar a vida, a mim enche-me de um prazer triste o fim que se aproxima. A morte é a libertação. Ainda que nada exista para além dela não deixará de sê-lo.



Um aluno: "Ninguém nos ensina o que é o bem e o mal"
Mas será preciso fazê-lo? Bater não se percebe que faz mal ao Outro? O que ele não vê é a semelhança entre o seu corpo e o do Outro. Não se reconhece. Adolescente.




Sinto-me sempre parvo ao escrever coisa que pareça uma "máxima". E, no entanto, estou convencido de que, através dos anos e dos séculos, houve conquistas importantes e não devemos prescindir delas: o direito à expressão, ao próprio corpo, ao livre trânsito. Pensar que estas liberdades são naturais é não perceber o sangue que custaram e em tantos sítios ainda custam.



25 de Novembro
Os teus escritos... ah ah os teus escritos!
Ando a escrever merda. A fazer merda. Por este caminho dentro de uns meses, ou nem tanto, nada resta. O meu inimigo não é o Outro. Sou eu.




A longa recuperação que encetei para abandonar a droga e me reintegrar, matou-me. Não me acho piada. E não sei se ainda sou suficientemente forte para ressuscitar o que paulatinamente suicidei.
A esperança mantém-se por uma questão de princípio.




29 de Novembro
Dias que não dizem.
Dias inteiros que somam tempo mas sem voz nem norte. Anda-se, compra-se, sobretudo compra-se, pensando, nos momentos de maior alheamento, que toda a gente compra também. Mas não se é feliz; é-se contente. Um contentamento de estômago saciado e pés quentes, enquanto a barriga cresce. Amolece-se e a utopia, que outrora nos guiava e era o acicate, torna-se tema de chacota ou, no melhor dos casos, de indiferença. Morre-se, em suma, e é, por esta altura, que os outros nos felicitam, convidam a jantar, dão os parabéns pela nossa vitória. E nós fazemos o mesmo. Mas é também nesta altura que, se o que fomos encontrasse o que ora nos é, certamente lhe diria: "Cheiras mal!"



Sem dia marcado, em Novembro
Torna-te indiferente ao prazer e à dor e serás livre.



Ser é ser algo. Escolhe criteriosamente em que ocupas o tempo. A ignorância impede. Com o ser não há meio termo: é-se ou não.




S. Pedro de Corval, 3 de Dezembro
Irene,
Vim ao Alentejo e volto a Lisboa á noite, com gravação amanhã na TV. Quatro horas para cá e outras tantas para lá e isto num comboio "rápido"! Como dizes, talvez as coisas aqui funcionem, talvez seja verdade. Mas querer saber uma informação e ficar tempos à espera, aturando a ignorância e o analfabetismo... A impressão de que este país está a ficar com dinheiro, sem antes ter ido à escola.
Beijo.




Lisboa, 4 de Dezembro
A fama. A corrida. O poder. E a vida?
Pergunto-me se ainda vivo. Os olhos da minha gata brilham. E o das pessoas?
Não temo a morte. Mas como será a passagem?
A razão porque tanta vez procuro a companhia de Miguel, oficialmente "doido" e de facto com uma psicose, é porque me conduz à des-razão, ao caos, ao abismo.
Isto dá tanta vontade de ir embora. Por isso os deste lado gozam férias.
Acabar a escrita e morrer.




13 de Dezembro
Dar. Dar faz bem. Porque dar é alargar, é englobar outrem. E o objectivo deverá ser o alargamento do ser, desde que não prejudique a ninguém.




14 de Dezembro
Inútil e perigoso decidir contra o inconsciente. Dedica-te a ele, conhece-te. Então farás de ti o que quiseres e serás livre.
Abre-te.



15 de Dezembro
A tensão do que já não é sem saber ainda o que seja.
Ser livre. Ser capaz de preferir a morte à submissão. Vivo-morto para quê?




25 de Dezembro
Perguntam-me "Que anda a escrever?" e sinto-me apanhado. Lá atrás quis ser um "grande" escritor. Porém, os anos passam e esse reconhecimento não vem. E numa sociedade onde o êxito é quem comanda o facto torna-me um falhado. Mas, no íntimo, não acredito. Ou seja, subsiste a esperança de que o que digo não diga respeito apenas a mim próprio, e que a minha pessoa ainda albergue o mundo.
Reconhecer-me de "interesse pessoal" é pobre.
Sonhei mais.



Crise? Será crise?
Ontem abandonei na rua livros da minha biblioteca para que alguém os encontrasse. Hoje, no mesmo local, havia a fotocópia de um extracto de Braudillard…
O dinheiro ganho, as montras, o consumo. Tudo isto me afastou. Tento reencontrar-me. Viver em si, e consigo, torna-se heróico. O apelo à perca é permanente.
Pergunto a um aluno que fará quando terminar o curso.
- Vai ser o pânico.



27 de Dezembro
Viver é poder. Mas creio na possibilidade de nos precavermos do poder alheio ou do poder em geral por uma forte conjunto de prerrogativas. Direito à privacidade, à diferença, à comida, à saúde, ao alojamento, à cultura. Direito à revolta.
A infelicidade advém do contrato social.



Já não sei se escrevo ou se é coisa passageira. O destino esgotou-se e ficou a mania. Neste caso sobro-me e preciso de vida. Morre-se quando se não ama. Ou a alguém ou ao que se faz. Antes sem dinheiro que sem amor.




Quando quero, realiza-se. Apreensivo com a constatação, passei a ter mais cuidado com o desejo.
A súbita mudança da pobreza para a relativa facilidade económica causa agitação e mesmo apreensão. Agora tento reatar com a tranquilidade de lá atrás, quando dizia "Preciso de um injecção de dinheiro"



Se a idade não significar sabedoria torna-se uma perda. Ou como congratular-se alguém com o que gradualmente o diminui e paralisa?



De um lado a tradição, do outro o efémero. A morte é mais perceptível na primeira, porque menos banalizada, e perigosa no segundo porque ignorada. Morrer passou a "fait-divers" pelo que o candidato a morto - qualquer de nós - se encontra hoje mais só. Sob o frenesim do consumo, a solidão abafa-se no uso embriagante de objectos. E mesmo estes deitam-se fora antes que se estraguem para que o velho não assome: a sua visão evoca a morte e ela tornou-se tabú. Pensar na vida, aqui e agora, é sinónimo de dor, por uma razão contrária à que levava os medievos a desprezar a primeira. A dor serve-se no telejornal, enquanto se come, camuflando a sua presença.



Começa a solidão do homem público. Não temê-la nem fugir-lhe. Nem demissão nem enfatuamento. Naturalidade.



Nunca faças nada pela utilidade mas para ver apenas o efeito. Se for útil tanto melhor.



És o que és e eis o que importa.



O meu afastamento consuma-se.



Não sou solidário convosco, ó mortalmente sensatos!








































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